Mudanças nas políticas de drogas: consequências para a avaliação

Em outubro de 2012, os governos de Colômbia, Guatemala e México declararam que, ante a ameaça das organizações narcotraficantes, as Nações Unidas deveriam marcar uma conferência “que permitisse tomar as medidas necessárias para aprimorar as estratégias e os instrumentos utilizados pela comunidade global para enfrentar as drogas e suas consequências.” A chamada UNGASS (Sessão Especial da Assembleia Geral) começa no dia 19 desse mês, e o debate será influenciado tanto pelas reformas políticas adotadas em países específicos quanto pelas tendências que persistem desde a última conferência em 1998 cuja divisa foi “Um mundo sem drogas: podemos consegui-lo!”

Por um lado, a legalização do consumo de drogas psicotrópicas em graus diferentes em países como Portugal, Suíça, Uruguai e os estados americanos de Colorado e Oregon tem melhorado indicadores econômicos e de saúde pública. Por outro lado, um regime de proibição parece incapaz de inibir o aumento do consumo ou enfraquecer o crime organizado. Segundo estimativas da ONU, 246 milhões de pessoas usaram drogas em 2013, ou 5% da população global entre 15 e 64 anos, e esse número aumentará para 25% até 2050. Além disso, a lucratividade do tráfico de drogas continua estimulando violência e corrupção ao mesmo tempo em que os preços sobem.

A sociedade civil vê na UNGASS uma oportunidade única de promover alternativas à proibição e começar a mudar o consenso global ao redor das drogas. Segundo Steve Rolles, analista de políticas da campanha Transform do Reino Unido, a ONU em si está cada vez mais dividida internamente, com “relatórios do [Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas], UNAIDS e PNUD articulando críticas devastadoras da guerra contra as drogas.” Se a confluência desses fatores levar à adoção de reformas substanciais durante a UNGASS, impactará diretamente a atuação do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Todos os projetos do UNODC incorporam avaliações realizadas pela Unidade de Avaliação Independente que seguem as normas e diretrizes da ONU como um todo. De acordo com um relatório do Global Drug Policy Observatory, avaliações baseadas em evidência serão essenciais tanto para determinar a eficácia das políticas de drogas vigentes quanto para elucidar alternativas viáveis ao status quo. Para esse fim, será necessário reconciliar as perspectivas divergentes das duas comunidades –a oficial de controle de drogas e a dos que querem reformas–porque é muito provável que os resultados sejam interpretados diferentemente, dependendo do olhar do avaliador.

Segundo os autores, as avaliações convencionais normalmente utilizam indicadores que medem o sucesso de um programa ou iniciativa pelo nível de conformidade com os acordos internacionais. Assim, a teoria de mudança ambiciona que “a proibição da produção, tráfico e consumo de substâncias psicotrópicas ilícitas resultará na redução (ou até a eliminação) do dano que elas causam à saúde e bem-estar de indivíduos e sociedades, e na mitigação das ameaças à estabilidade, segurança e soberania dos países.” Os indicadores usados nessas avaliações frequentemente correspondem a questões de implementação e impactos intermediários, tais como: redução do número de usuários e viciados; quantidade de drogas apreendidas pela polícia; número de hectares de cultivos ilícitos destruídos; e número de traficantes processados, entre outros. Quando as políticas não funcionam, as avaliações atribuem isso a “falhas de implementação”, em vez de abrir espaço para mudanças na abordagem da questão da produção e consumo de drogas.

Os métodos avaliativos empregados pelos reformadores são mais relacionados aos objetivos de longo prazo da proteção da saúde, da estabilidade política e de direitos humanos. Portanto, uma avaliação elaborada por atores não-governamentais olha para além de números que sugerem uma interdição mais imediata do tráfico de drogas e considera consequências não-intencionais: violência, violações de direitos humanos, crime organizado, alto encarceramento de usuários, etc. Como resultado, as reformas propostas por esses grupos são fundadas em uma outra teoria de mudança que pressupõe a persistência da demanda para substâncias psicotrópicas, e em decorrência disso procura “controlar os efeitos da produção, tráfico e consumo de tais substâncias sobre indivíduos e sociedades para reduzir os danos” sem proibi-las. Segundo essa perspectiva, a implementação efetiva de uma política proibitiva não garante o seu sucesso, especialmente se ela não abordou as raízes do problema (ou seja, os fatores socioeconômicos e psicológicos que perpetuam o ciclo do vício e as considerações financeiras que dificultam a interrupção a produção local de cultivos ilícitos).

No meio dos debates internacionais e domésticos sobre políticas de drogas, é preciso que essas duas visões conflitantes se complementem na construção de uma abordagem melhor e mais ampla para avaliar programas e iniciativas, desde os mais linhas-duras até os mais revolucionários. Os pesquisadores do Global Drug Policy Observatory destacam que, acima de tudo, os dois lados parecem alinhados em termos do interesse em proteger a saúde e bem-estar, eliminar o crime organizado e (em medidas diferentes) regular a produção e consumo de drogas atualmente ilegais. De qualquer forma, o ímpeto para uma reformulação do controle global de drogas na UNGASS sugere que a lógica por trás das avaliações oficiais terá de evoluir com celeridade.

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