Nada freia uma bala como um emprego

Há anos que o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil vem provocando fortes emoções e polarizando o cenário político do país. No entanto, a pergunta que poucos têm feito é se, no meio dessa polêmica intrinsicamente ligada a questões de racismo e de classe social, há espaço para o desenho de intervenções focadas na prevenção e não apenas na correção de um problema estrutural da sociedade brasileira. Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia, existem programas que têm-se mostrado eficazes na redução da criminalidade juvenil nos Estados Unidos, utilizando estratégias de inclusão social e desenvolvimento pessoal em contextos urbanos de instabilidade e violência.[1]

Em 2012, a pesquisadora Sara Heller realizou um estudo controlado com atribuição aleatória para avaliar o impacto do programa One Summer Plus (OSP), que ofereceu empregos de salário mínimo a alunos dos bairros mais pobres e escolas mais violentas da cidade de Chicago durante as férias de 2012. De acordo com fontes oficiais, os jovens estadunidenses são duas vezes mais propensos a serem vítimas e autores de violência do que os adultos, e as taxas de detenção por crimes violentos são cinco vezes maiores para jovens afro-americanos do que para jovens brancos.[2] Mais do que 1.500 alunos entre 14 e 18 anos de idade se candidataram ao programa, o qual ofereceu vagas de emprego em ONGs e órgãos públicos sob a supervisão de mentores que acompanhariam o seu desenvolvimento profissional. Heller dividiu os candidatos aleatoriamente entre um grupo de controle que não se beneficiou da iniciativa e dois grupos experimentais, um que teve 25 horas semanais de trabalho e outro que teve 15 horas de trabalho, além de 10 horas de participação em um curso focado em habilidades sócio-emocionais.

Ao longo dos 3 meses do programa e durante 13 meses depois de sua conclusão, Heller monitorou as detenções da polícia de Chicago por crimes violentos, crimes contra a propriedade, drogas e outros. Embora não fosse observada nenhuma mudança na frequência dos três últimos, as detenções por crimes violentos caíram em 43% entre os alunos dos grupos experimentais, com relação ao grupo de controle. Porém, como apenas a metade dos incidentes de violência chega a ser reportada à polícia, é provável que este resultado subestime o número de crimes violentos evitados pelo programa.[3]

Fonte: Heller, Sara B. “Summer Jobs Reduce Violence among Disadvantaged Youth.” Science 346.6214 (2014): 1219–1223.

A falta de uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos experimentais sugere que a oportunidade de trabalhar por si só tenha “ensinado os jovens a processar informação social, lidar com pensamentos e emoções e estabelecer e alcançar metas de forma mais eficaz.” Além disso, vale destacar que a maior queda nas taxas de detenção ocorreu entre 5 e 11 meses depois do início do programa, o que revela os efeitos positivos e de longo prazo das mudanças de comportamento e perspectiva por ele trazidos.

Heller também reconheceu a contribuição dos mentores para a formação profissional dos alunos. Com o declínio da economia industrial nos centros urbanos americanos, na segunda metade do século XX, o exemplo do trabalhador-operário perdeu status frente ao surgimento do tráfico de drogas e de gangues.[4] Portanto, de acordo com Heller, a presença de adultos no programa pode ter restabelecido essa rede tradicional de apoio e ensino, abrindo novas possibilidades e escolhas de vida para jovens em situações vulneráveis.

Em termos da viabilidade financeira de uma intervenção como o OSP, a relação custo-benefício é uma consideração essencial. No caso do OSP, a curta duração fez com que o valor das despesas administrativas (US$1.600, não incluindo os salários dos participantes) fosse inferior ao benefício trazido pela redução da delinquência juvenil (US$1.700). Sem dúvida, antes de implementar um programa de emprego para jovens é preciso considerar se um investimento tão grande é adequado para o contexto local, pois a experiência de outros programas demonstra que o saldo positivo do OSP é mais a exceção do que a regra. Mesmo assim, Heller argumenta que qualquer discussão de custo-benefício deve levar em conta os custos de encarceramento quando uma sociedade opta pela punição ao invés de medidas preventivas.

Apesar dos resultados promissores do programa, ainda falta compreender quais fatores têm maior impacto sobre as taxas de violência juvenil. Também resta determinar sua relevância em diferentes contextos. Por exemplo, abandono escolar no Brasil constituiria um desafio para a adesão a programas como o OSP. Somente 58% dos jovens brasileiros terminam o ensino médio e “enquanto 85% dos alunos mais ricos no Brasil concluem o ensino médio, menos de 30% [dos que têm] menos recursos conseguem o mesmo.”[5] Este fenômeno de abandono escolar diferencia o caso brasileiro daquele dos EUA, mas o impacto observado do OSP em Chicago ainda pode inspirar uma visão alternativa de futuro para jovens vulneráveis no Brasil. É notável que já existam políticas de emprego juvenil como Menor/Jovem Aprendiz, mas seria interessante investigar se jovens de diferentes camadas socioeconômicas têm acesso equitativo a essas vagas. Além disso, vale destacar que a realização do Programa OSP durante as férias minimiza interrupções e limitações na trajetória acadêmica dos jovens que poderiam ocorrer caso fosse realizado durante o ano escolar.

No final das contas, a pesquisa de Heller demonstra que, concomitantemente a reformas educacionais para aumentar a assiduidade e o engajamento de alunos do ensino médio, políticas de emprego juvenil têm o potencial promover a participação cidadã e o desenvolvimento profissional e pessoal de jovens vulneráveis, contribuindo para a redução a frequência de crimes violentos que atualmente divide o Brasil.


[1] Heller, Sara B. “Summer Jobs Reduce Violence among Disadvantaged Youth.” Science 346.6214 (2014): 1219–1223.

[2] Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention, OJJDP Statistical Briefing Book, U.S. Department of Justice, Washington DC, 2014.

[3] Langton, Lynn et al. “Victimizations Not Reported to the Police, 2006–2010.” U.S. Department of Justice, Washington DC, 2012.

[4] Duneier, Mitchell. Sidewalk. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2001.

[5] Cabrol, Marcelo, Gádor Manzano, and Lauren Conn. “Vamos Lá, Brasil! Por Uma Nação de Jovens Formados.” Banco Interamericano de Desenvolvimento. 2014.

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