Quando se fala em projetos de reorganização de grandes cidades e diminuição da exclusão social, como por exemplo o Plano Diretor da cidade de São Paulo, não é incomum haver aqueles que defendem a ideia da criação de moradias populares em áreas onde residem pessoas de classe média e alta.
A lógica argumentativa não é de difícil compreensão: áreas mais ricas da cidade são mais bem aparelhadas, têm mais opções de serviços e oferecem melhores alternativas de mobilidade.
Em grandes centros urbanos, as periferias são distantes e o acesso centro-periferia é difícil. Distância física transforma-se em distância social, graças à qual o contato entre pessoas do centro e da periferia ocorre quase que apenas quando os que residem nas periferias assumem funções de trabalho em áreas centrais da cidade. Pessoas de classe média e alta irem a bairros de classe trabalhadora é algo ainda mais raro, ou seja, essa dinâmica acaba criando guetos urbanos e acentua a exclusão social. Ainda que nas grandes cidades brasileiras também haja bairros pobres próximos às suas regiões centrais, a distância social permanece.
Estudos que discutem a influência de nascer em bairros pobres ou mais ricos na vida das pessoas são cada vez mais frequentes, em especial nas áreas de Sociologia Urbana e Urbanismo. Entre estes, o artigo “Geographic Effects on Intergenerational Income Mobility” (2014), publicado pelos pesquisadores americanos Douglas Massey, da Universidade de Princeton, e Jonathan Rothwell, do Instituto Brookings, merece destaque.
Segundo os autores, pessoas que passam os primeiros 16 anos de suas vidas morando em bairros mais pobres têm vivências que, mesmo mudando de bairro, não são superadas, ou seja, são como cicatrizes muito difíceis de serem apagadas.
As “cicatrizes” descritas pelos autores estão associadas a pontos como falta de infraestrutura local, desordem social, crime, violência e serviços públicos de má qualidade. Além disso, os autores retomam teses que já eram discutidas pela Escola de Chicago, de que o bairro onde as pessoas residem é um espaço fundamental de interação social e de criação de aspirações.
Os autores utilizaram dados do Panel Study of Income Dynamics and Census Data e aferiram que quem vive por 16 anos ou mais em vizinhanças mais pobres, independentemente das mudanças de residência que vier a fazer e da ascensão social que tiver, tende a ganhar US$ 910.000 a menos ao longo da vida do que se tivesse nascido em bairros mais ricos, considerando a realidade dos EUA.
Nesse sentido, de acordo com os autores, para haver mobilidade social e diminuição da diferença social é preciso que haja também uma reorganização do espaço urbano. Como Massey aponta: “À medida que a distribuição de renda fica mais desigual, ocorre o mesmo com a distribuição dos bairros. A concentração da riqueza e da pobreza aumentou. Os bairros pobres se tornaram mais pobres, e ficou mais difícil escapar do status socioeconômico da pobreza.” Assim, o bairro onde a pessoa nasce tenderia a ser um fator determinante da renda ao longo de sua vida. Como afirma Massey: “O talento e a habilidade se contraem quando as pessoas estão presas em ambientes segregados”.
Ainda que o estudo tenha sido conduzido nos Estados Unidos, em que a segregação espacial urbana é muito acentuada, não é difícil visualizar esse cenário no Brasil. Aqui a valorização do solo urbano está altamente correlacionada à presença de infra-estrutura e serviços de qualidade e, nas situações em que isso não ocorre, como nos encraves de favelas em áreas de maior renda, a diferença social é delimitada de maneira inequívoca pelo padrão de ocupação.
Nesse sentido, vale tomar esse estudo para refletir sobre como o espaço social e as relações sociais estão diretamente relacionados, bem como os impactos gerados por fatores que são ditos “aleatórios”: nesse caso, o bairro em que a pessoa nasceu.