Aborto e saúde pública: as consequências após dois anos da legalização no Uruguai

Após um longo processo centrado na luta pela redução da mortalidade materna, o Uruguai se tornou ao final de 2012 o quarto país da América Latina e o segundo da América do Sul a legalizar o aborto. Desde então, além de poder abortar em caso de gravidez decorrente de estupro, grave risco a sua saúde e inviabilidade de vida do feto, a mulher uruguaia tem a opção de interromper em até 12 semanas qualquer gravidez indesejada.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde uruguaio no final de março revelam o impacto positivo que a adoção desta política teve no atingimento da meta após apenas dois anos. Apesar dos mais de 15.000 abortos realizados no país entre o final de 2012 e o final de 2014, apenas um caso de morte materna causada pelo procedimento foi registrado — isto porque mesmo com a legalização, a interrupção da gravidez foi realizada clandestinamente.

A importância deste resultado reside no fato de que complicações decorrentes de aborto clandestino figuram entre as cinco maiores causas de mortalidade materna, segundo a Organização das Nações Unidas. Apenas na América Latina, estima-se que 11% das mulheres vítimas fatais de complicações na gravidez o são em decorrência de abortos inseguros; na Argentina, este percentual chega a 25%.

A mortalidade materna é um problema bastante sério ao redor do mundo e, não sem propósito, reduzi-la em 75% entre 1990 e 2015 era meta de um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio previstos na Declaração do Milênio da ONU. Após 25 anos, a meta não foi globalmente atingida, mas alguns países conseguiram apresentar resultados isoladamente.

Nesse contexto, o país sul-americano foi o único da região a conseguir este feito, em parte devido à adoção de políticas decorrentes da legalização do aborto — isto porque se em 1990, 33% das mulheres que realizavam aborto morriam em decorrência de complicações, em 2014 o percentual foi de 0%, conforme dados do Ministério da Saúde do país.

Conforme era esperado, o sucesso na redução da mortalidade materna veio acompanhado do aumento no número de abortos realizados — 20% entre 2013 e 2014. Vale destacar que o mesmo período também apresentou um aumento de 30% no número de mulheres que optaram por seguir com a gravidez mesmo após solicitar sua interrupção e, dentre os motivos, encontram-se as políticas adotadas pelo país.

Para conseguir a interrupção legal, as mulheres têm de passar por uma consulta com ginecologista, psicólogo e assistente social. Posteriormente, devem passar por cinco dias de reflexão antes de ratificarem sua escolha pelo aborto.  Segundo especialistas, este processo faz com que mulheres antes decididas pelo aborto repensem suas escolhas após receberem atendimento especializado.

Portanto, a despeito das polêmicas envolvendo o tema,  fato é que o Uruguai reduziu a mortalidade decorrente de complicações do aborto a zero e foi um dos poucos países a atingir a meta de redução da mortalidade materna prevista nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio dentro do prazo. Ainda, encarar o tema como questão de saúde pública, apesar de ter trazido instantaneamente um aumento no número de abortos realizados, trouxe também um aumento no número de mulheres que decidiram prosseguir com a gravidez. Diante disso, é possível concluir que a interrupção voluntária da gravidez no Uruguai é uma política pública bem sucedida.

1. Antes do Uruguai legalizaram aborto Cuba, Costa Rica e Guiana.

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Uma resposta para “Aborto e saúde pública: as consequências após dois anos da legalização no Uruguai”

  1. Muito boa política publica! Sonho que aibda teremos no Brasil esse amadurecimento político que tem o Uruguai.

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