Na luta contra a pobreza, são necessárias as condições?

O programa Bolsa Família já foi bastante elogiado e discutido nas esferas política e acadêmica como um programa público que comprovadamente contribui para a erradicação da pobreza.

Assim como o Progresa/Oportunidades, no México, o Bolsa Família entra na categoria dos programas de transferência condicionada de renda (ou Conditional Cash TransfersCCTs).  A ideia desses programas é a de que, tendo em vista as preferências das famílias de baixa renda (ou, para aqueles que gostam de economia, as curvas de indiferença), impor condições implica em incentivar certos comportamentos. Assim, uma família que dá pouco valor à educação, e que tenderia a pôr os filhos no mercado de trabalho em vez de mantê-los escola, pode inverter esse comportamento se incentivada economicamente –e, é claro, seja obrigada a manter os filhos na escola (a condição para receber o incentivo).

Aumentar a frequência escolar e diminuir o trabalho infantil são dois grandes objetivos de CCTs. O valor da transferência influenciará quais famílias irão aderir ao programa e quais crianças serão beneficiadas. Manter uma criança de 5 anos na escola, por exemplo, é mais barato do que um adolescente de 15, pois este último é capaz de ter uma renda maior no mercado de trabalho. Assim, o valor da transferência depende de decisões de política que determinam quem é o público-alvo do programa. E essa discussão vai longe.

Em contrapartida, o novo hot topic das discussões de economia e desenvolvimento são os Unconditional Cash Transfers (UCTs), ou seja, as transferências incondicionais. Um estudo realizado no Quênia entre 2011 e 2013 (SHAPIRO e HAUSHOFER, 2013), por exemplo, analisou os impactos das transferências feitas pela organização GiveDirectly¸ fundada por um grupo de economistas das Universidades de Harvard e MIT. Essas transferências, que não estavam atreladas a nenhuma condição, eram de pelo menos o dobro da média de consumo mensal dos domicílios e feitas por meio de um sistema de celular chamado M-Pesa.

Os autores usaram experimentos de atribuição aleatória e fizeram o sorteio dos beneficiários em dois níveis: o das vilas e o dos domicílios. Também sortearam o gênero do beneficiário (esposa vs. marido), a periodicidade (transferência em prestações vs. uma única transferência) e o valor do pagamento (US$ 404 vs. US$ 1.520). Alguns dos resultados foram: os domicílios beneficiados apresentavam níveis mais altos de consumo e poupança e, surpreendentemente, os gastos com álcool e cigarro não aumentaram; os níveis de cortisol (indicador de stress) baixaram mais entre os beneficiários; e aqueles que receberam uma única transferência investiram mais em bens duráveis do que aqueles que receberam os benefícios em prestações.

A escolha do programa de transferência de renda mais apropriado (com ou sem condicionalidades) depende das prioridades da política pública. Uma vantagem dos UCTs é que eles são menos custosos de se gerir e monitorar. Por outro lado, os CCTs tendem a ter um impacto mais duradouro por envolver melhoras cumulativas em educação e saúde.

Bibliografia

DAS, J., QUY-TOAN, D., ÖZLER, B. Reassessing Conditional Cash Transfer Programs. World Bank Research Observer. Vol. 20 (1), p. 57-80, 2005.

HAUSHOFER, J., SHAPIRO, J., Household Response to Income Changes: Evidence from an Unconditional Cash Transfer Program in Kenya. GiveDirectly Program, 2013.

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