O Bolsa Família Contribui para Reduzir a Desnutrição?

O Ministério do Desenvolvimento Social apresentou ontem, 16 de setembro, um estudo que indica melhora nos padrões nutricionais das crianças entre 0 e 5 anos contempladas pelo programa Bolsa Família.

A fase da primeira infância é um período crítico pois determina a trajetória de desenvolvimento das pessoas nas habilidades cognitivas, sociais, intelectuais e psicológicas. Case, Lubotsky e Paxon (2002), por exemplo, mostraram que crianças com más condições de saúde tendem a se tornar adultos com padrões socioeconômicos mais baixos.

Para medir a saúde nutricional das crianças, o estudo do MDS utilizou a estatura e o peso como indicadores. A pesquisa envolveu avaliações transversais e longitudinais feitas entre 2008 e 2012, e mostrou que houve uma redução no déficit de saúde das crianças contempladas ao comparar estes números com os padrões de referência da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fonte: (Jaime et al. 2014)

Podemos, então, concluir que o Bolsa Família tenha sido o responsável por esta melhora na saúde das crianças? Acredito que não. Apesar de os números mostrarem que de fato os padrões nutricionais melhoraram, não há indicação no estudo de que a amostra analisada tenha incluído crianças não contempladas pelo programa, portanto, não é possível atribuir esse efeito exclusivamente ao Bolsa Família.

Na maioria dos casos, a maneira mais apropriada de se avaliar o impacto de um programa social é comparar as pessoas afetadas pelo programa com um grupo contrafactual, ou seja, um grupo que não participou do projeto. Esses grupos devem ser em média iguais em variáveis potencialmente causais como renda familiar e escolaridade, bem como em características não-observáveis. Para que esses fatores se diluam, deve haver uma seleção aleatória dos membros de cada grupo, possibilitando iguais condições para compará-los.

O motivo de realizar avaliações de impacto utilizando esse método é o de poder “isolar” o efeito do programa de outros fatores externos, como a chegada de uma empresa na comunidade, por exemplo, ou a presença de até mesmo outros programas sociais.

É bastante provável, no entanto, que o Bolsa Família tenha afetado positivamente a saúde dessas crianças. De fato, o estudo mostra que o déficit de estatura de um grupo acompanhado durante os 5 anos diminuiu ao longo do tempo, e é bastante plausível a hipótese de que a melhora nas condições nutricionais propiciada pela combinação de maior poder aquisitivo, assiduidade escolar e as condicionalidades de saúde seja uma das causas desse aumento da estatura média. Por outro lado, é difícil dimensionar o impacto do Bolsa Família pois o programa pode ter “pegado carona” com outras ações públicas ou privadas que tenham gerado benefícios semelhantes.

Há questões éticas envolvendo experimentos aleatórios, pois programas que provavelmente tragam benefícios à população não deveriam ficar restritos a um pequeno grupo. Por isso, outras técnicas de avaliação como, por exemplo, Diferenças em Diferenças, podem ser mais apropriadas.

Referências

JAIME, Patricia C.; et al. Desnutrição em Crianças de Até Cinco Anos Beneficiárias do Programa Bolsa Família: Análise Transversal e Painel Longitudinal de 2008 a 2012. Cadernos de Estudos: Desenvolvimento Social em Debate. n. 17. p. 49-62. 2014

Disponível em: http://www.mds.gov.br//saladeimprensa/noticias/2014/setembro/tempo-de-permanencia-das-criancas-no-bolsa-familia-contribui-para-reduzir-desnutricao

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Tempo de permanência das crianças no Bolsa Família contribui para reduzir desnutrição.

CASE, Anne; LUBOTSKY, Darren; PAXON, Christina. Economic Status and Health in Childhood: The Origins of the Gradient. The American Economic Review. v. 92. n. 5. p. 1308-1334. 2002.

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