
O ciclo de políticas públicas é uma maneira de simplificar o entendimento sobre a formulação de políticas públicas (policy-making) por meio de um processo inter-relacionado composto de 5 fases: definição da agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação/monitoramento.
O ciclo, apesar de útil para reconhecer as fases, não representa linearidade entre elas, uma vez que as fases podem se sobrepor, ou mesmo terem sua ordem alterada. Como exemplo, podemos pensar que durante o processo de formação da agenda (agenda-setting) para que o formulador possa identificar um problema, ele pode fazer uso de pesquisas avaliativas já realizadas, ou mesmo encomendar uma pesquisa diagnóstica para identificação de problemas.
Pensando do ponto de vista da teoria de Múltiplos Fluxos (Kingdon, 2013) o processo de formulação da agenda é composto por três fluxos, os quais são responsáveis pela inserção de um tema/problema na agenda pública. Estes fluxos são: fluxo de problemas, fluxo de soluções e fluxo político, além destas outras variáveis também são consideradas neste processo: a identificação de uma janela de oportunidade e a atuação dos empreendedores de políticas.
Imagem 1 – O Modelo de Múltiplos Fluxos

A compreensão sobre o fluxo de problemas é essencial para entender porque alguns problemas são relevantes para os formuladores e conseguem adentrar a agenda, enquanto outros não. A teoria dos Múltiplos Fluxos auxilia na compreensão deste processo de escolha.
É o primeiro fluxo, o fluxo de problemas, que delimita a diferença conceitual entre uma questão e um problema. Existem inúmeras questões, mas apenas aquelas que chamam a atenção dos formuladores, e que são consideradas por eles como questões passíveis de serem resolvidas, podem ser consideradas problemas dentro deste modelo. Portanto o mais importante, em um primeiro momento, é que a questão seja notada e por fim considerada um problema.
O reconhecimento técnico de uma questão como um problema, é feito através de: i) identificação de crises (momento em que a mídia desempenha papel importante); ii)análise de indicadores; iii) feedbacks da ação governamental.
O reconhecimento de crises, análise de indicadores, reconhecimento de eventos focalizadores e feedbacks da ação governamental (fatores que compõem o fluxo de problemas) podem ser reconhecidos pelos formuladores através de diagnósticos setoriais, relatórios de avaliação de políticas públicas ou mesmo em estudos encomendados para esta finalidade. Podemos reconhecer neste momento, através da teoria de Kingdon, a importância das pesquisas avaliativas dentro do processo de formulação da agenda.
Os diagnósticos setoriais, por exemplo, são instrumentos amplamente utilizados no processo de reconhecimento de um fluxo de problemas. O formulador pode se utilizar dos diagnósticos de Planos Municipais Setoriais como forma de mapear este fluxo. Um diagnóstico municipal sobre a situação da Criança e do Adolescente, por exemplo, pode chamar a atenção do governo e de empreendedores de políticas em diversos setores, como educação, saúde, assistência social, cultura, e iniciar o processo que dá origem à novas propostas de ações governamentais voltadas para o bem estar e a garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes.
Um exemplo de estudo específico para identificação de problema durante a formulação da agenda é a Avaliação de Impacto Legislativo (AIL). Ao propor uma nova política pública no legislativo, a AIL deve demonstrar o fluxo de problemas que levou à proposição de uma nova política. O projeto de Lei para implementar a obrigatoriedade da Análise do Impacto Legislativo (AIL) – já apresentado neste post – propõe que para a criação de uma lei, que institua uma nova política pública, o fluxo de problemas deve ser demonstrado em uma avaliação de impacto, na qual obrigatoriamente deve conter uma síntese qualitativa e quantitativa do problema ou da situação que reclama providências.
Outra possibilidade de identificação do fluxo de problemas é se utilizar de avaliações de políticas públicas (feedbacks governamentais) que tenham identificado dentro dos seus resultados a possibilidade de ação futura sobre outras questões não contempladas pela política avaliada, reconhecendo-as como novos problemas públicos.
A demonstração do fluxo de problemas a partir de uma avaliação específica, ou de outras avaliações/diagnósticos secundários legitimam a necessidade de ação sobre uma questão, dando embasamento empírico e teórico para o momento da tomada de decisão. Uma vez que algum instrumento avaliativo possibilita o reconhecimento de uma questão como problema, ele viabiliza o primeiro passo de construção da agenda.
A partir desta análise é possível compreender como estudos avaliativos e diagnósticos de políticas públicas, se alinhados e comprometidos com o interesse público, quando consultados durante o processo de formulação da agenda, podem e devem influenciar positivamente na inclusão de temas socialmente relevantes na agenda do governo.
Referências
KINGDON. Agendas, Alternatives, and Public Policies, Updated Edition, with an Epilogue on Health Care’-Pearson, 2ND Edition, Ed. Pearson, 2013 (Original – 1984) .
CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G. et al. (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 87-121 Disponível em: <https://perguntasaopo.files.wordpress.com/2012/02/capella_2006_perspectivas-tec3b3ricas-sobre-o-processo-de-formulac3a7c3a3o-de-polc3adticas-pc3bablicas.pdf >