Desafios de síntese na análise qualitativa

Na condução de avaliações qualitativas, frequentemente enfrentamos o desafio de síntese na análise, especialmente em avaliações de meio-termo, em avaliações de processos e em avaliações de resultados. Isso porque diferentemente de uma avaliação de impacto, por exemplo, esses estudos requerem um conhecimento mais detalhado do percurso do projeto, para que seja possível estabelecer relações entre as opções feitas durante a implementação e os resultados atingidos e, principalmente para poder interpretar esses resultados corretamente.

Em geral, são avaliações com grande quantidade de documentos e cujos TR exigem um número elevado entrevistas, objetivando que todos os perfis (gerentes, técnicos, beneficiários, etc.) e seus diferentes pontos de vista sejam contemplados. Assim, em se tratando de avaliações qualitativas, o desafio da análise está posto: volumes e volumes de documentos, horas e horas de entrevistas que deverão ser observados, descritos e analisados. Cabe ao avaliador tomar as decisões corretas, escolhendo bem quais dados utilizar em sua análise para que esse desafio gere bons resultados e não se tenha um trabalho excessivo cujo resultado não necessariamente corresponderá ao esforço empreendido.

“Quando você tenta localizar um sinal claro de estação de rádio através do ruído estático que preenche as vias aéreas entre os sinais, você está envolvido no processo de distinguir sinal de ruído. (…) Os dados são ruído, muito e muito ruído. Quanto mais dados, mais ruído. Big Data: ruído alto. A história que detecta, dá sentido, interpreta e explica padrões significativos nos dados é o sinal. Mas o sinal não é constante ou estático. Eles variam de acordo com o contexto e mudam com o tempo. Portanto, a busca para distinguir sinal de ruído é contínua.” (Tradução livre de Patton, 2015)

Assim, tendo experimentado algumas vezes o desafio de implementar avaliações desta natureza, separamos aqui algumas dicas que podem ajudar avaliadores a não caírem em armadilhas que comprometerão a eficiência e a qualidade da avaliação.

No que tange, aos documentos que serão analisados, combine com o contratante logo no início da avaliação:

  • Quais informações são relevantes e que devem ser repassadas à equipe de avaliação – é muito comum que os documentos sejam repassados em uma seleção prévia, acarretando em um desperdício de horas na análise de documentos irrelevantes para o próposito do estudo.
  • Como essas informações serão repassadas – o ideal é que uma pessoa fique responsável por selecionar e enviar os documentos.
  • O prazo para repasse de documentos e dados oficiais do projeto – sem isso, corre-se o risco de que informações-chave sejam enviadas após a fase de análise de documentos e coleta de informações em campo, o que certamente prejudicará a qualidade das análises.

O trabalho de campo, por sua vez, também pode fazer com que a análise e elaboração do relatório seja mais ou menos fácil para a equipe. A depender do número de entrevistados, da sua dispersão geográfica e do prazo para realização das entrevistas, poderá ser importante contar com uma equipe de entrevistadores, os quais não necessariamente se envolverão na elaboração do relatório. Se por um lado isso facilita a execução do trabalho, por outro, pode dificultar o trabalho de interpretação dos resultados e redação do relatório final. Portanto, é importante:

  • Oferecer treinamento prévio à equipe de campo, contemplando: informações sobre o projeto, sobre o perfil dos entrevistados e sua participação no projeto, eventuais armadilhas a serem evitadas, conhecimento sobre o roteiro de perguntas e o que dentro dele é mais importante, a fim de que o entrevistador possa ter autonomia em campo, sem deixar de fora questões cruciais para a avaliação.
  • Repassar aos entrevistadores o que deve ser entregue e como: áudio, transcrição ou sistematização das entrevistas.
  • Solicitar junto com a entrega (transcrição, sistematização, ou áudios das entrevistas) documento síntese que contemple as principais observações, achados e desafios enfrentados em campo.
  • Que após o campo a equipe de entrevistadores se reúna para discutir os achados de campo, antes do início da análise e elaboração do relatório.

O desafio maior reside, sem dúvidas, no trabalho de síntese e análise dessas informações, em saber distinguir entre o que é e o que não é relevante para o trabalho em curso.

Neste ponto, ainda que não existam regras e fórmulas há medidas que podem ser tomadas para facilitar este processo e, portanto, separamos algumas dicas retiradas e adaptadas do livro do Michael Quinn Patton (2015) e do Jonny Saldaña (2010), que consideramos abrangentes, úteis e que normalmente são esquecidas pelas equipes de avaliação.

Durante o campo Inicie a análise durante o trabalho de campo: ao final de cada entrevista, anote suas principais observações, as hipóteses explicativas e novas questões. Anote (e peça que a equipe de entrevistadores também o faça) os padrões que começarem a surgir, temas e relações entre eles e instrua os pesquisadores a testarem essas hipóteses, confirmando-as ou excluindo-as ainda em campo.

Identifique e preencha as lacunas: durante o trabalho de campo, certamente surgirão novas questões, muitas delas poderão ser respondidas em campo, outras dependerão de documentação complementar. Todas essas lacunas precisam ser preenchidas ainda na fase de coleta de dados, antes do início da análise.

No início da análise Não pule a etapa descritiva: ainda que seja tentador pular direto para a interpretação dos resultados, não pule a etapa descritiva dos achados.

Ainda que seja um trabalho detalhista de sistematização, uma boa interpretação, que explique esses achados, agregue significado aos resultados e detecte padrões só pode ser feita com um bom trabalho descritivo prévio.

Leia e releia os documentos descritivos: as hipóteses e padrões começarão a emergir!

Decida sobre o uso de softwares: softwares de análise qualitativa podem ser extremamente uteis, sobretudo se a análise passará por um processo de codificação. No entanto, assegure-se que todos possuem familiaridade e estão treinados no uso do software. Caso contrário, os prejuízos podem ser maiores do que os benefícios.

Tenha clareza sobre a estratégia de análise que será utilizada: a análise qualitativa pode seguir por diversos caminhos. Ter uma estratégia clara de análise e forma de reportar os resultados desde o início ajuda a fazer escolhas sobre que informação será considerada e como será utilizada.

Durante a análise Tenha claro o propósito do estudo e as perguntas de avaliação: Deixe sempre visíveis o propósito e as perguntas de avaliação. Isso ajuda a manter a análise na direção correta!

Tenha um diário de análise: Anote todas as decisões tomadas, deixe um registro sobre o processo analítico, as ideias emergentes, encruzilhadas, falsas hipóteses, becos sem saída, “insights”. Essa documentação ajudará a trazer rigor às suas análises e a fundamentar seus argumentos.

No trabalho de análise qualitativa certamente enfrentaremos os mais diversos desafios. No entanto, se conseguirmos ser extremamente organizados, perseverantes – especialmente se for trabalhar com codificação, que pode ser desafiadora e exaustiva – flexíveis e capazes de lidar com ambiguidades, criativos e absolutamente éticos, certamente poderemos aprender a cada avaliação um pouco mais sobre o processo de avaliação qualitativa, sobre nossos objetos de estudo e, especialmente mais sobre nós mesmos!

 

 

Referências:

Patton, M. Q. (2015). Qualitative evaluation and research methods (4th ed.). Thousand Oaks, CA, US: Sage Publications, Inc.

Saldaña, J. (2009). The coding manual for qualitative researchers. Thousand Oaks, CA,: Sage Publications Ltd.

 

2 respostas para “Desafios de síntese na análise qualitativa”

  1. A matéria é muito elucidativa. Pra mim, particularmente, foi muito útil, pois estou trabalhando na minha tese de doutorado a avaliação da Cooperação Sul-Sul brasileira por métodos qualitativos. Pretendo ir a campo em Cabo Verde e Moçambique. Agradeço pela matéria que, muito proveitosa.

  2. A matéria é muito elucidativa. Pra mim, particularmente, foi muito útil, pois estou trabalhando na minha tese de doutorado a avaliação da Cooperação Sul-Sul brasileira por métodos qualitativos. Pretendo ir a campo em Cabo Verde e Moçambique. Obrigada!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.