Contrato de Impacto Social (CIS)

Recentemente o Governo do Estado de São Paulo lançou uma Consulta Pública referente a um Contrato de Impacto Social (CIS) na área da educação. Em dezembro deste ano, após o término dessa consulta, o governo vai lançar um Edital de Licitação para estabelecer o Contrato de Impacto Social, cujo objetivo final é identificar políticas públicas que sejam efetivas para melhorar alguns indicadores da área de educação.

Essa nova modalidade de contratação de serviços, ainda inédita no Brasil, permitirá ao governo atrelar a remuneração dos serviços contratados aos resultados produzidos pelas instituições contratadas. O CIS prevê que o contratado tenha por um lado a flexibilidade na execução das atividades e, por outro lado, fique responsável pelo risco de as metas não serem atingidas.

A grande novidade nesse processo é que, conforme noticiado (http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/11/1937836-sp-pagara-a-entidade-que-cumprir-meta-e-evitar-evasao-no-ensino-medio.shtml), instituições privadas e organizações sem fins lucrativos vão propor intervenções que auxiliem  o Governo do Estado de São Paulo a elevar os índices de aprovação e reduzir a evasão escolar no ensino médio.

A princípio, serão selecionadas 122 escolas da região metropolitana do Estado.  Dessas 122 escolas, metade (61 escolas) vai receber uma intervenção proposta, e as outras 61 escolas vão servir como um parâmetro de comparação. Importante ressaltar que a seleção dessas escolas deverá obedecer a critérios técnicos para garantir que essa comparação seja feita de forma adequada.

Após um período determinado no processo licitatório, será feita uma avaliação de impacto das intervenções propostas, mensurando o tamanho do efeito de cada intervenção. A remuneração das contratadas vai ocorrer apenas nos casos em que forem identificados efeitos positivos desejados em uma dimensão relevante, definida por meio de metas.

Logo após o lançamento dessa consulta pública, muitas críticas foram feitas e algumas questões sobre como será operacionalizado esse processo foram colocadas. Em resumo, essa inovação proposta pelo Governo do Estado recebeu críticas principalmente em dois pontos: primeiro pela metodologia que será empregada na aplicação das intervenções e na consequente avaliação que será produzida; o segundo ponto de discussão é a forma de remuneração das instituições que vão fazer as intervenções.

As críticas mais comuns acerca da metodologia questionaram o fato de deixar alunos de 61 escolas sem receber o tratamento ofertado aos alunos das outras 61 escolas. Na visão de alguns, isso criaria mais uma disparidade no sistema de ensino e seria injusta com os alunos das escolas que não forem sorteadas para receber a intervenção.

Quanto a esse ponto, podemos afirmar com alto grau de certeza que a metodologia de avaliação de impacto proposta é exatamente a mesma que é aplicada no mundo todo para calcular o impacto de intervenções nas mais diversas áreas, sejam na saúde, educação, habitação, etc

Ao contrário do que se disse e tendo em vista que os recursos financeiros são escassos, essa estratégia de avaliação não é injusta porque a ideia é fazer a intervenção como um projeto piloto e, caso ela demonstre ser efetiva, a política pode ser ampliada para toda a rede.

Para ilustrar esse argumento, imagine que você queira expandir o exemplo da Escola da Ponte (https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_da_Ponte), mas para isso o governo peça que você demonstre que os efeitos positivos deste tipo de escola podem ser obtidos na rede de ensino como um todo, e não apenas em uma unidade muito específica. Como você faz?
Primeiro você busca recursos humanos e financeiros para implementar esse projeto. Mas como recursos não são infinitos você sabe que tem que obter o suficiente para implementar o projeto em pelo menos 30 escolas (esse número mínimo pode variar de acordo com o objeto de estudo).

Em seguida você identifica as 30 escolas da rede, considerando que nesse grupo deve haver alguma heterogeneidade, e que as escolhidas possuem as condições necessárias para que o modelo Escola da Ponte funcione. Essas escolas serão o piloto da política pública que você quer implementar, isso é chamado de Grupo de Tratamento.

O próximo passo é identificar na rede outras 30 escolas que tenham características semelhantes às escolas do Grupo de Tratamento, isso é feito para que você possa ter uma base de comparação. Essas escolas serão chamadas de Grupo de Controle e não receberão a intervenção que você está propondo.

Ora, mas se eu acredito que o modelo da Escola da Ponte é uma boa política, por que não fazer isso nas 60 escolas?

Primeiro porque mesmo que você tenha alguma informação sobre casos de sucesso de algumas escolas que seguiram o modelo da Escola da Ponte, ainda não há como saber se esse modelo funciona apenas em condições muito específicas, ou se ele pode mesmo ser aplicado em toda uma rede de ensino. Então você faz um piloto em um número maior de escolas, com características heterogêneas, para saber se esse projeto pode ser aplicado na rede de ensino.

Se os resultados forem positivos, você terá segurança de que os recursos necessários para expandir essa política para todas as escolas da rede vão trazer o retorno esperado. Porém, se na pesquisa você identificar que os resultados positivos são obtidos apenas em casos específicos, ao fazer o piloto você evitou que recursos fossem empregados em larga escala, sem provocar os efeitos esperados na rede como um todo. Ou seja, você evitou desperdício de recursos públicos.

Segundo porque o modelo da Escola da Ponte é apenas um exemplo dentre várias experiências em educação que foram aplicadas em estudos de caso. Imagine se o governo fosse adotar todos os modelos que são sugeridos. Seria possível fazer isso na rede toda de uma só vez? A resposta é não.

Mas, seguindo esse modelo, os alunos das escolas do grupo de Controle não serão prejudicados?

Não, os alunos das escolas que compõem o grupo de controle não perdem nada do que já recebem, mas apenas não ganham o benefício extra que é oferecido às escolas do grupo de tratamento. Esse grupo serve para mensurar o que teria acontecido com os alunos das escolas de tratamento, caso não houvesse o tratamento. Isso é chamado de contra-factual.
Para fazer a mensuração dos efeitos do modelo Escola da Ponte, os pesquisadores vão coletar dados nas 60 escolas, em três momentos distintos: antes das intervenções começarem; ao longo da execução do projeto; e ao final de um período no qual se espera que a intervenção tenha provocado os efeitos esperados.

Por meio da comparação da evolução dos dois grupos será possível identificar qual o efeito real do tratamento para então saber se é possível e se vale a pena expandir o modelo da Escola da Ponte para toda a rede de ensino.

Se os resultados forem positivos, você terá elementos para convencer o governo a adotar a mesma política em toda a rede de ensino, e assim beneficiar todos os alunos da rede.
O segundo ponto que também foi muito questionado refere-se à remuneração das instituições, que será feita apenas para as que obtiverem resultados positivos.
Esse ponto merece bastante atenção porque pode afetar a implementação das intervenções, uma vez que a pressão sobre as escolas do grupo de tratamento será maior do que já ocorre naturalmente nesse tipo de estudo. Segundo porque, se não houver um controle muito rígido, pode haver influência no cálculo do impacto.

Uma solução para isso seria criar uma comissão de pesquisadores da área para selecionar apenas instituições que estejam propondo intervenções que a comissão entende que vão dar o resultado esperado, e pagar pela intervenção em si. O risco para o governo estaria limitado ao valor empregado nessas intervenções. Se os resultados não forem os esperados será necessário verificar se houve problema na implementação, ou se a intervenção não é efetiva como se esperava. Porém, se o efeito for positivo, o governo poderá expandir a política para a rede de ensino, sem maiores riscos de má gestão dos recursos públicos.

Podemos avaliar o “impacto social” das empresas?


O imperativo da utilidade rege a tomada de decisão numa empresa. No momento de se escolher entre uma ação e outra, deve prevalecer aquela que traga mais benefícios para o mesmo montante de investimento. O retorno pode não ser apenas financeiro, como ocorre no caso dos projetos sociais, mas tem de ser de alguma forma útil: “valeu o esforço?” Seja como for, a utilidade do investimento tanto no negócio quanto na ação social das corporações é habitualmente demonstrada por meio de indicadores de desempenho.

Recentemente o debate sobre o desempenho de uma empresa em suas relações com a sociedade vem se deslocando da perspectiva de responsabilidade social para a de impacto social.

No primeiro caso, discutia-se o que a empresa deve ou pode fazer pela sociedade além de cumprir suas funções tradicionais que são criar empregos e recolher impostos, gerando riqueza acumulada nesse processo. Uma empresa socialmente responsável seria então aquela que se engaja ativamente com a sociedade contribuindo para a solução de problemas extra-negócio, como a pobreza, a baixa escolaridade, a desinformação, o acesso precário à saúde, à cultura, etc. Os temas podem ter relação com o negócio e até contribuir para seu funcionamento, mas não são essenciais a ele.

No segundo caso, o de impacto social, a perspectiva é muito mais ampla. Impõe pensar em todos os efeitos, diretos e indiretos, positivos e negativos, que as operações da empresa geram sobre a sociedade; em muitos casos se inclui aí também a cadeia de fornecedores. Essa abordagem deriva de um amadurecimento da atuação pública das corporações, que vêm lidando com uma sociedade cada vez mais educada e consciente de seus direitos, com acesso instantâneo e irrestrito a informação e portanto mais atenta à origem e às formas de produção dos artigos que consome.

Por mais sofisticadas, sistemáticas e amplas que sejam as ações de responsabilidade social de uma empresa, hoje sua atuação é passível de contestação pelo próprio risco que o negócio enseja. Pode derivar da conduta imprópria de um fornecedor pela qual a corporação seja responsabilizada solidariamente; por danos ambientais não totalmente mitigáveis; pela associação de sua marca com práticas trabalhistas aceitáveis em um país produtor mas vistas como opressivas num país consumidor; ou ainda de pressões do poder público para que ela exerça funções que não são suas, mas que aquele não consegue ou não quer fazer; entre outras.

Ora, ao passo que no caso da responsabilidade social temos um conceito razoavelmente bem definido a ser observado  —ações sociais criadas pela empresa fora do âmbito natural de seu negócio—e que se concretizam na forma de intervenções, com objetivos explícitos e marcos temporais, no impacto social a definição do que está para ser medido é tão ampla e multicausal que escapa a uma conceituação precisa.

Assim, não é surpresa que, na prática, a mensuração do impacto social exija recortes temáticos —direitos humanos, engajamento com a comunidade, práticas trabalhistas, sustentabilidade ambiental, relações com governo— com seus respectivos indicadores de desempenho. Isso é coerente com a abordagem utilitária de se medir aquilo que pode trazer retorno, positivo ou negativo, em relação ao que a empresa investe ou gasta, nesse caso em sua operação. Mas como temos uma infinidade de recortes possíveis, abrangendo problemas de disciplinas que vão da economia à sociologia à história, o resultado é a desorientação: temos de medir todos os impactos que nosso negócio causa na sociedade, da matéria-prima ao pós-venda? Como fazê-lo? Quais os critérios de relevância ou “materialidade”?

 

Como reação a essa incerteza, o instinto dos analistas que reportam sobre o impacto social das operações é de recorrer a conjuntos de indicadores sacramentados por autoridades no assunto. Entretanto, por mais úteis que sejam os relatórios sociais e os índices de sustentabilidade para a identificação e a retificação de prejuízos sociais causados por uma empresa, não há garantia de que todos os indicadores sejam relevantes para o seu negócio nem de que aqueles que são críticos do ponto de vista da utilidade estejam contemplados.

Outro fator de insegurança deriva do fato de ainda não ter sido desenvolvida uma forma abrangente de se avaliar o impacto social das empresas. Se no caso da responsabilidade social temos projetos cuja efetividade pode ser mensurada por comparação antes/depois e entre participantes/não participantes, no caso do impacto social das operações é muito mais difícil determinar o que é causa e o que é consequência do negócio em cada uma das dimensões estudadas.

Daí que a solução até o momento mais razoável do ponto de vista da praticidade e do custo seja continuar monitorando desempenho em vez de avaliar o impacto, o que, ademais, é incentivado pelo efeito-rotina (todos os anos se colhe os mesmos indicadores, os processos se normalizam, e ficam mais confiáveis) e também pela segurança reputacional que advém das certificações como as do GRI – Global Reporting Initiative.

Esse problema não é simples, mas soluções têm surgido. Uma alternativa promissora é segmentar o tema em setores de atividade econômica para se identificar efeitos sociais comuns a eles, e a partir desses, construir conceitos replicáveis de impacto social. Outro caminho explorado tem sido o de utilizar dados de monitoramento para se planejar ações corretivas, que por sua vez são avaliadas; por exemplo, o efeito da certificação de fornecedores sobre o bem-estar dos trabalhadores. Ou ainda mensurar ações pontuais que têm repercussões amplas, como o impacto da criação de conselhos comunitários sobre a qualidade da relação com a população local.

As práticas incipientes de mensuração de impacto social das empresas apontam na direção da combinação de abordagens existentes de avaliação. O desafio continua sendo o de se encontrar formas de se replicar essas avaliações. Para tanto, é preciso uma teoria mais robusta sobre como esse impacto se dá e quais as suas componentes causais mais relevantes.