Semana passada a coluna publicada por Monica de Bolle, economista que admiro muito e escreve semanalmente para o Estadão, comentou sobre um livro publicado por Daron Acemoglu e James Robinson chamado Why Nations Fail: The Origin of Power, Prosperity, and Poverty. O livro fala sobre a importância das instituições no contexto da distribuição de recursos dos países.
Aproveitando a deixa da Professora de Bolle e do momento de crise política que estamos passando, resolvi dedicar esse post do blog para comentar também sobre o quanto instituições fortes são essenciais para o crescimento.
Em um artigo chamado Reversal of Fortune: Geography and Institutions in the Making of the Modern World Distribution, Acemoglu discute em primeiro lugar o que ele chama de “geographic hypothesis”, que busca relacionar os padrões de produtividade e prosperidade econômica com aspectos da geografia e clima de cada país.
Rebatendo essa hipótese, Acemoglu defende a “institutions hypothesis”, explicando que o processo de colonização europeia causou grande mudanças na organização social de várias comunidades ou civilizações. De acordo com o autor, locais prósperos e com atividades econômicas complexas, como os Incas ou Astecas, sofreram um processo de reversão institucional depois que os europeus introduziram instituições extrativistas. Acemoglu mostra que, além das mudanças econômicas causadas pelas transformações institucionais por volta de 1500, a qualidade das instituições passou a ter ainda mais importância quando surgiram novas tecnologias que necessitavam investimentos de vários setores e áreas sociais. O autor considera que as instituições de qualidade políticas, econômicas e sociais, garantem o direto de propriedade de toda sociedade e a segurança dos investimentos, ao contrário da presença das instituições extrativistas, que fazem com que parte da população esteja sujeita a uma elite governante, riscos de expropriação, etc.
Para confirmar a “institutions hypothesis”, Acemoglu usou dados de urbanização, densidade populacional além de variáveis relacionadas a instituições como um índice de riscos de expropriação por parte do governo e uma proxy relacionada à concentração de poder político. Ele conclui que essa reversão institucional ocorrida em alguns países foi o que causou a mudança nos padrões de renda.
Aplicando os resultados desse estudo para o nosso contexto, a corrupção – cada vez mais em evidência – não somente compromete a economia por subtrair diretamente dinheiro público, mas também compromete o crescimento do Brasil por fragilizar as instituições. Um dos fatores causadores disso, segundo Acemoglu, é a herança que nos foi deixada com a colonização portuguesa. Por isso, como a própria Monica de Bolle colocou em sua coluna, é preocupante atropelar projetos no Congresso, como a Reforma da Previdência, em um momento em que as instituições políticas estão tão enfraquecidas. O mais importante agora é realizar reformas que fortaleçam as instituições, a começar pela reforma do sistema político-eleitoral.
Ocupando 59% do território brasileiro, a região amazônica é de suma importância para o futuro ambiental do planeta. O destino desse ecossistema também está intimamente ligado ao bem-estar das comunidades indígenas que o habitam. Segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada, os 2.344 territórios indígenas e 610 áreas protegidas dos nove países amazônicos armazenam 55% do carbono existente em toda a floresta (em torno de 47,3 bilhões de toneladas de carbono) (WALKER ET AL, 2014). Enquanto isso, mais da metade da Amazônia (4,2 milhões de km2) está ameaçada por fatores como o desmatamento ilegal e a expansão da agropecuária (WALKER ET AL, 2014). Neste contexto, o engajamento das comunidades indígenas se torna uma medida essencial de preservar a floresta e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Desde o ano passado, a Plan está auxiliando o Instituto Socioambiental (ISA) a organizar, implementar e analisar um levantamento censitário que garante que comunidades do Alto e Médio Rio Negro no Estado de Amazonas protagonizem a definição e elaboração de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA).
O nosso envolvimento começou com a revisão técnica de uma série de questionários elaborados pelo ISA e a adaptação desses para o Open Data Kit (ODK), uma plataforma que permite a coleta de dados via celular ou tablet mesmo sem conexão à Internet e o eventual envio dos formulários preenchidos para um servidor online. Além de perguntar sobre informações demográficas e socioeconômicas, os questionários incluíram a captura de fotos e as coordenadas geográficas de comunidades, sítios e lugares sagrados em toda a região. Uma vez preparados os questionários, a equipe do ISA realizou um treinamento para dezenas de pesquisadores indígenas em São Gabriel da Cachoeira. Ao longo de cinco meses, essa equipe realizou 369 entrevistas coletivas (com as comunidades e sítios) e mais 3.523 com as famílias, totalizando 29.581 pessoas alcançadas pela pesquisa, assim constituindo o maior levantamento de dados na região desde a demarcação dessas Terras Indígenas nos anos 90.
Com a conclusão da fase de coleta, iniciamos o trabalho considerável de limpar e organizar os dados em planilhas, bem como desenvolver um mapa interativo com detalhes e fotos das comunidades e sítios. A partir das planilhas, produzimos relatórios que reportaram os resultados do levantamento segundo vários recortes geográficos e de grupos étnicos estratégicos. Também fizemos cruzamentos estatísticos para verificar a correlação entre diferentes variáveis. O ISA já realizou oficinas em São Gabriel da Cachoeira com base nesses dados e os achados do estudo ajudarão as comunidades a identificar prioridades para os futuros PGTAs.
Além desse projeto, estamos apoiando outra iniciativa do ISA que envolve 50 pesquisadores indígenas (Agentes Indígenas de Manejo Ambiental) no monitoramento de mudanças ambientais e climáticas em três municípios rio-negrinos (Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira). Os sete questionários georreferenciados abrangem temas como a fauna e flora da floresta, bem como a incidência de doenças nas comunidades, a condição de roças e observações diárias da temperatura e tempo. Em alguns locais da região, o estudo dos ciclos climáticos já acontece há mais de 10 anos, mas o uso de tablets para coletar os dados vem facilitar e acelerar o trabalho dos pesquisadores, ao mesmo tempo que reduz erros de inserção de dados e oferece novas possibilidades de registros fotográficos e geográficos. Junto com o PGTA, a colaboração da Plan nessas duas iniciativas do ISA contribui para empoderar os povos indígenas na gestão e proteção das suas terras, assim promovendo um futuro sustentável para um dos mais importantes ecossistemas do mundo.
Em seu livro Poor Economics, Esther Duflo e Abhijit V. Banerjee se inserem em uma discussão acalorada sobre como acabar com a pobreza no mundo. O debate entre Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia (End of Poverty, 2005), e William Easterly, da Universidade de Nova Iorque (The White Man’s Burden, 2006) transcorre há mais de 10 anos em torno da eficácia da ajuda internacional. Sachs, que além de professor é enviado especial das Nações Unidas na África, defende que a assistência deve ser prestada em grande escala e que isso não só vai elevar o nível de desenvolvimento de países pobres, como é uma obrigação dos países desenvolvidos promovê-la. Já Easterly, ex-gerente do Banco Mundial, discorda, afirmando que o uso indiscriminado dos recursos da cooperação internacional leva a corrupção e péssimos incentivos para os países que recebem o dinheiro, mantendo-os com níveis baixos de desenvolvimento humano.
Já o livro Poor Economics, Esther Duflo e Abhijit V. Banerjee, não trata a questão do assistencialismo por si só como um problema ou uma solução para o subdesenvolvimento. O argumento principal da obra é que precisamos estimar bem o impacto dos projetos por meio de experimentos, para sabermos exatamente quais ações reduzem a pobreza e em que medida. A ajuda internacional seria mais eficaz quanto mais se conheça as causas da pobreza no contexto do país receptor, possibilitando assim a aplicação de uma estratégia que comprovadamente funcione para atacá-las. Na Plan corroboramos essa visão, acreditando ser necessário alocar os recursos de forma ótima na cooperação internacional, aprendendo com avaliações anteriores, bem como tratar a pobreza como um fenômeno dinâmico, sensível a contexto e multidimensional.
Nesse espírito, terminamos recentemente um estudo de desenho semi-experimental medindo o retorno para a sociedade da rede de Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCAs) de Fortaleza. Esses centros são equipamentos públicos onde pessoas de 15 a 29 anos podem praticar esportes, ter acesso à cultura, como teatro e dança, e atendimento psicossocial com auxílio de pessoal especializado no desenvolvimento pessoal do jovem para melhor formá-lo para o mundo.
Procurando estimar como a participação nos CUCAS afeta o futuro dos jovens, realizamos encontros, debates e entrevistas para entender melhor os processos de transformação pelos quais esses jovens passam ali. Em seguida aplicamos questionários padronizados com amostras aleatórias representativas de pessoas participantes e não-participantes do programa. Como não havia linha de base para comparação, tivemos de fazer aproximações para poder estimar o que havia mudado na vida desses jovens em termos de competências socioemocionais, além de qualificação profissional, autoestima, perspectiva de futuro, mudanças de comportamento e valores, entre outros resultados que se esperava que o programa obtivesse. Desenvolvemos técnicas de perguntas para que as pessoas reconstruíssem como estavam há 3 anos, antes de a Rede CUCA ser implantada, e se comparassem com o momento atual.
Com os dados em mãos, utilizamos a técnica de diferenças das diferenças, que compara as evoluções dos grupos controle e tratamento em dois momentos do tempo. Quando observamos as duas diferenças, a primeira entre o grupo tratamento antes e depois do CUCA, e a segunda entre o grupo tratamento e controle nos mesmos momentos, podemos estimar o impacto do programa considerando que ambos foram expostos a uma gama semelhantes de fatores externos. Ao final, demonstramos, por exemplo, que as probabilidades de os participantes do programa terminarem o ensino médio e tentarem ingressar no ensino superior são significativamente maiores que a de outros jovens.
Para estudar o impacto financeiro do CUCA sobre os rendimentos de seus participantes, utilizamos os resultados das regressões e os multiplicamos pelos valores apurados pelo IBGE para as faixas de renda associadas a cada nível de escolaridade. Como os resultados das regressões indicaram que os frequentadores do CUCA tendem a ter escolaridade mais alta do que a do grupo de controle, é de se esperar que os rendimentos daqueles seja consequentemente maior. A soma desses recebimentos futuros representará um retorno de valor para a sociedade de aproximadamente 3 vezes o montante investido na Rede CUCA.
Com esse estudo pudemos contribuir mostrando que a Rede CUCA pode trazer não só diversão, esporte e cultura para jovens de Fortaleza, mas também trabalho e renda, reduzindo a pobreza. Com o possível ganho de longo prazo medido para os recebimentos do trabalho em um número significativo de casos (foram 263.409 participantes de atividades do CUCA nos últimos 3 anos), a região pode desenvolver novos empregos, movimentar mais bens e estimular a própria economia, melhorando a vida não só daqueles que receberam as vantagens do CUCA, mas também de todos em volta.
As avaliações que combinam análises qualitativas com experimentos controlados para estimar a eficácia dos programas sociais voltados aos grupos mais pobres têm peso crescente no portfólio da Plan, com projetos de grande escala em curso no Nordeste rural do Brasil voltados ao desenvolvimento infantil e à geração de renda no campo. Por meio destes, conforme defendem Duflo e Banerjee, contribuímos para escolher as estratégias mais eficazes de redução das pobrezas; por meio daquelas, entendemos como operam e como os pobres as vivenciam, fornecendo elementos para que sejam adaptadas pelos governos a seus contextos locais.
Fontes:
Esther Duflo & Abhijit V. Banerjee, “Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty”; 2011, PublicAffairs
Esther Duflo, TED Talk, “Social Experiments to Fight Poverty”; https://www.ted.com/talks/esther_duflo_social_experiments_to_fight_poverty
Jeffrey Sachs, “The End of Poverty: How We Can Make It Happen In Our Lifetime”; 2005, Penguin Press
William Easterly, “The White Man’s Burden: Why the West’s Efforts to Aid the Rest Have Done So Much Ill and So Little Good”; 2006, Penguin Books
Na Plan temos como princípio que a prática da pesquisa faz com que os nossos consultores estejam mais preparados também para a reflexão teórica. Isso porque quem vai a campo tem a oportunidade de testar suas hipóteses, confrontando-as com a realidade vivida pelas pessoas, realidade que refuta, afirma e estimula com uma veemência que o argumento e o contraditório, no plano das ideias, não alcançam. Nestes tempos de juízos baseados em informação de segunda mão alimentados pela hipercirculação das ideias na internet, é tentador se engajar no debate a partir de pontos de vista autorizados por outros, sem que nos demos conta que algumas vezes as autoridades também apoiam suas teses em informações colhidas precariamente.
Como sempre –mas mais ainda hoje porque as notas metodológicas somem nos rodapés do desinteresse e da falta de tempo do público– o teste empírico é indispensável para que o conhecimento sobre a realidade social qualifique o discurso. Para o avaliador essa missão é crítica pois suas conclusões informarão, além da teoria sobre como fazer programas e projetos melhores, a execução de políticas que afetarão a vida das pessoas.
Por isso fiquei muito orgulhoso com o reconhecimento que grandes instituições produtoras de saber deram a quatro membros de nosso escritório este ano. Uma delas, Rafaela Antoniazzi, foi aceita no programa de doutoramento em economia da Fundação Getúlio Vargas. Seus posts neste blog dão conta de como sua perspectiva evoluiu como resultado da imersão na realidade das escolas, empresas, agricultores, ONGs, governos e tantos outros atores que teve a oportunidade de entrevistar nesses anos de Plan, abrindo sua perspectiva sobre as possibilidades dos métodos mistos de pesquisa.
Cristiana Martin e Peter Smith, que outro dia mesmo, cientistas sociais recém-saídos da faculdade, tiveram na Plan uma porta de acolhimento no mundo profissional, ingressaram ambos no programa de mestrado em sociologia da Universidade de São Paulo. Os dois têm abraçado desafios como investigar a realidade vivida pelas pessoas da zona rural do Maranhão, dos bairros pobres do ABC paulista, dos vilarejos do extremo norte do Amapá, de territórios marcados por problemas sociais seriíssimos como a exploração de crianças e o tráfico de pessoas, entre tantas outras viagens a campo. Esses mesmos jovens sociólogos aprenderam, pelo calejamento da prática, a ter a segurança necessária para entrevistar também pessoas em posição de poder nas inúmeras avaliações institucionais que a Plan faz.
Por fim, e não menos entusiasmante, a ex-advogada Veridiana Mansour, que se fez avaliadora neste escritório após concluir um mestrado de transição de carreira, foi contratada pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em seu centro mundial de avaliação, em Roma. Uma notícia agridoce pela falta que nos faz, mas que mais que tudo corrobora sua incrível dedicação ao trabalho de pesquisa.
Parabéns a eles e a toda a equipe da Plan, e um 2017 de mais prática e mais reflexão para todos nós. Se tiver que amassar barro, nós amassamos, como a Cris e a Rafa aí na foto.
Na última semana a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República divulgou o balanço anual de denúncias recebidas pelo Disque 100 em 2015 (http://www.disque100.gov.br/). Entre 2014 e 2015, houve um aumento de 2% no número total de denúncias de violações de direitos humanos. Considerando-se apenas a violência cometida contra a população LGBT, o número de denúncias no mesmo período cresceu 94%; discriminação, violência psicológica e violência física estão entre os tipos mais recorrentes de violações sofridas por esse grupo1.
De acordo com a SDH, apesar do aumento, o encaminhamento dessas denúncias ainda é um problema devido à ausência de um marco legal que puna crimes cometidos em razão da orientação sexual e da identidade de gênero. Diante disso, casos de discriminação raramente são punidos e episódios de violência são julgados como crimes comuns, o que não contribui para desestimular esse tipo de conduta perversa praticada contra a população LGBT.
Levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia identificou que a cada 27 horas uma pessoa foi assassinada em decorrência de sua identidade de gênero ou orientação sexual em 20152. De acordo com o monitoramento realizado pela Transgender Europe3, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo; nos últimos 7 anos, o país liderou o ranking com 689 casos — a título de comparação, o segundo colocado, México, com seus 122 milhões de habitantes, reportou 194 homicídios de travestis e transexuais no mesmo período; o terceiro colocado, Estado Unidos, com uma população de 316 milhões de habitantes, reportou 108. É preciso considerar que diante da ausência de legislação específica para a criminalização desse tipo de violência, ambos os estudos foram baseados em notícias veiculadas pela mídia e entrevistas com familiares de vítimas e, portanto, é provável que o número de crimes cometidos contra homossexuais e transexuais seja ainda maior.
Além de homicídios, a discriminação também causa danos emocionais, econômicos e sociais. Vídeo divulgado pela ONU em dezembro de 2015 (https://www.youtube.com/watch?v=DvSxLHpyFOk) traz uma compilação de dados e estudos abordando o impacto da homotransfobia tanto nos indivíduos que a sofrem como na sociedade na qual estão inseridos. De acordo com os dados trazidos pela organização, abandono escolar, desemprego, pobreza e depressão são problemas comuns à população LGBT decorrentes da discriminação.
Estudo conduzido no Reino Unido em 2014, intitulado Youth Chances, concluiu que dos jovens LGBT entrevistados (i)42% utilizavam medicamentos para ansiedade ou depressão; (ii) 52% já se automutilaram; e (iii) 44% já consideraram suicídio – a título de comparação, entre a população geral esse percentual é de 21%4.
Pesquisa divulgada pela Human Rights Campaign demonstrou que 40% dos moradores de rua jovens dos EUA são LGBT e estão em situação de rua porque fugiram de casa ou foram expulsos pelas famílias, sendo que em ambos os casos o motivo foi discriminação relacionada à identidade de gênero ou opção sexual5.
Estudo conduzido pelo Williams Institute — UCLA com apoio da USAID envolvendo 39 países identificou que a população LGBT comumente (i) é alvo de prisões injustificadas e violência policial; (ii) é acometida por taxas desproporcionais de violência física, emocional e estrutural; (iii) sofre discriminação para encontrar trabalho, especialmente formal e/ou bem remunerado; (iv) encontra múltiplas barreiras para acesso à saúde física e mental; e (v) sofre discriminação nas escolas impetrada por professores e outros estudantes. Esses fatores afetam de forma significativa o potencial humano, social e econômico desses indivíduos6.
Conforme Charles Radcliffe, sênior human rights advisor para o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero não fere apenas as pessoas que a sofrem, mas também o setor privado e a economia de um país7. De acordo com o vídeo da ONU acima mencionado, e com base nos estudos aqui citados, os efeitos da discriminação fazem com que as empresas percam talentos, criatividade e produtividade. Já o estado, além de ter que gastar mais com saúde e seguridade social para reparar os danos da discriminação, deixa de arrecadar receitas que poderiam ser investidas em outras áreas, tais como educação, infraestrutura e geração de emprego.
Corroborando esse entendimento, estudo realizado pelo Banco Mundial em 2014 foi capaz de relacionar os efeitos da discriminação contra a população LGBT e a exclusão desse grupo do mercado de trabalho com o desenvolvimento econômico, concluindo que a discriminação contra homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis pode causar uma perda de até 32 bilhões de dólares na economia do país8.
O estudo realizado pelo Williams Institute acima mencionado identificou, por sua vez, clara correlação entre promoção e garantia de direitos à população LGBT e o aumento do IDH e do PIB per capita de um país. Segundo os pesquisadores, a simples adoção de leis antidiscriminatórias já são suficientes para contribuir com o aumento da renda e do bem-estar da população.
Diante do exposto, o impacto da homofobia e da transfobia na vida de um indivíduo e em toda uma sociedade produz graves consequências que não podem continuar sendo ignoradas. Políticas e programas precisam ser desenvolvidos para que haja o enfrentamento da discriminação e da violência contra a população LGBT e, consequentemente, a redução de seus efeitos negativos, tais como homicídios, suicídios, desemprego e pobreza.
No Brasil, apesar de os movimentos sociais já terem percebido a importância desse tipo de intervenção, ainda há muito a se avançar na promoção e garantia de direitos LGBT. Se por um lado tivemos avanços, como o casamento homoafetivo, por outro há retrocessos e resistências baseados numa visão mais tradicional da família e da sexualidade, tais como o a aprovação do PL nº 6.583/2013 — estatuto da família — na Comissão Especial da Câmara, a exclusão de referências sobre identidade de gênero, diversidade e orientação sexual nos planos estaduais de educação e, ainda, o novo arquivamento do PL nº 122/2006 que criminaliza a homofobia no Senado. O que tiramos disso é que enquanto os costumes tiverem peso maior que as evidências, a população LGBT e outros grupos minoritários continuarão a sofrer violência, discriminação e privações evitáveis.
Tendo em vista o momento de instabilidade política pelo qual estamos passando, achei pertinente falar neste post sobre um tema muito familiar para todos nós: a corrupção. Esse assunto já foi muito discutido em todas as áreas das ciências sociais e os estudos de economia e avaliação não ficam fora disso.
Andrei Shleifer e Robert Vishny, por exemplo, comentam em um artigo que a ilegalidade da corrupção e a necessidade de manter esse ato em segredo faz com que isso ocasione em mais distorções e mais custos do que os impostos.
Além dos modelos teóricos que buscam entender como a corrupção funciona, alguns acadêmicos já se aventuraram em realizar estudos empíricos sobre o tema. Benjamin Olken, por exemplo, fez um experimento aleatório (Randomized Controlled Trial – RCT) com 608 vilas da Indonésia. A grande pergunta motivadora da pesquisa foi: quais ações poderiam ser eficazes para reduzir a corrupção? Tendo isso em vista, Olken menciona que uma combinação de monitoramento e punições pode reduzir a corrupção e, dentro desse escopo, o aumento do envolvimento de membros da comunidade nesse acompanhamento pode ter um efeito muito positivo.
Ao invés de colocar funcionários para fiscalizar o trabalho de outros funcionários, o que pode resultar apenas em transferências de propina entre eles, e não na redução da corrupção, Olken defendia que a sociedade assuma esse papel de monitoramento já que ela se beneficia de programas públicos bem-sucedidos.
No início da pesquisa de Olken, todas as vilas pesquisadas estavam prestes a construir uma estrada que fazia parte de um projeto de infraestrutura nacional. O autor selecionou aleatoriamente algumas vilas as quais, depois de receber os fundos para a construção das estradas, foram avisadas de que o projeto seria auditado pela controladoria do governo central, e em todas essas vilas a auditoria de fato ocorreu. Os resultados das auditorias seriam lidos publicamente em reuniões com a comunidade, o que poderia resultar em sanções coletivas.
Além do aviso de fiscalização, foram realizados dois experimentos diferentes: no primeiro, vários convites para essas reuniões de auditoria foram distribuídos de modo a encorajar a participação direta de membros da comunidade no monitoramento e reduzir a predominância de elites nesses encontros; no segundo, um formulário anônimo para comentários foi distribuído junto com os convites, dando às pessoas a oportunidade de transmitir informações sobre a execução projeto sem correr risco de retaliação. Esses formulários eram então coletados antes das reuniões de auditoria e os resultados resumidos nos encontros.
De forma complementar, para medir a corrupção de uma forma objetiva, o autor contratou um grupo de engenheiros e pesquisadores que, depois da conclusão das obras, coletaram amostras de cada estrada para determinar a quantidade de material usado, entrevistaram fornecedores para estimar preços e conversaram com a população para estimar os salários pagos pelo projeto. A diferença entre esses valores e os gastos reportados pelos governos locais se tornou a estimativa-chave: quanto maior a diferença, maior a corrupção em potencial na forma de superfaturamento e desvios de recurso.
O cruzamento dos dados objetivos com as demais estratégias indicou que uma maior probabilidade de a vila passar por auditoria reduz substancialmente o montante de fundos desviados.
Ao contrário do que se esperava, a participação da comunidade no monitoramento foi muito pequena mesmo quando estimulada a fazê-lo; assim, o empoderamento da população não foi identificado como um fator determinante no combate à corrupção.
A conclusão é que instituições de controle fortes têm um efeito positivo sobre a diminuição da corrupção, mesmo quando a participação popular é restrita.
Bibliografia:
Olken, Benjamin. Monitoring Corruption: Evidence From a Field Experiment in Indonesia. The National Bureau of Economic Research.
Shleifer, Andrei e Vishny, Robert W. Corruption. The Quartely Journal of Economics, Vol. 108, No 3, Agosto, 1993.
O efeito das auditorias foi maior nas vilas onde os líderes estavam buscando a reeleição, ou seja, onde a reputação dos dirigentes estava em jogo.
Há anos que o debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil vem provocando fortes emoções e polarizando o cenário político do país. No entanto, a pergunta que poucos têm feito é se, no meio dessa polêmica intrinsicamente ligada a questões de racismo e de classe social, há espaço para o desenho de intervenções focadas na prevenção e não apenas na correção de um problema estrutural da sociedade brasileira. Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia, existem programas que têm-se mostrado eficazes na redução da criminalidade juvenil nos Estados Unidos, utilizando estratégias de inclusão social e desenvolvimento pessoal em contextos urbanos de instabilidade e violência.[1]
Em 2012, a pesquisadora Sara Heller realizou um estudo controlado com atribuição aleatória para avaliar o impacto do programa One Summer Plus (OSP), que ofereceu empregos de salário mínimo a alunos dos bairros mais pobres e escolas mais violentas da cidade de Chicago durante as férias de 2012. De acordo com fontes oficiais, os jovens estadunidenses são duas vezes mais propensos a serem vítimas e autores de violência do que os adultos, e as taxas de detenção por crimes violentos são cinco vezes maiores para jovens afro-americanos do que para jovens brancos.[2] Mais do que 1.500 alunos entre 14 e 18 anos de idade se candidataram ao programa, o qual ofereceu vagas de emprego em ONGs e órgãos públicos sob a supervisão de mentores que acompanhariam o seu desenvolvimento profissional. Heller dividiu os candidatos aleatoriamente entre um grupo de controle que não se beneficiou da iniciativa e dois grupos experimentais, um que teve 25 horas semanais de trabalho e outro que teve 15 horas de trabalho, além de 10 horas de participação em um curso focado em habilidades sócio-emocionais.
Ao longo dos 3 meses do programa e durante 13 meses depois de sua conclusão, Heller monitorou as detenções da polícia de Chicago por crimes violentos, crimes contra a propriedade, drogas e outros. Embora não fosse observada nenhuma mudança na frequência dos três últimos, as detenções por crimes violentos caíram em 43% entre os alunos dos grupos experimentais, com relação ao grupo de controle. Porém, como apenas a metade dos incidentes de violência chega a ser reportada à polícia, é provável que este resultado subestime o número de crimes violentos evitados pelo programa.[3]
Fonte: Heller, Sara B. “Summer Jobs Reduce Violence among Disadvantaged Youth.” Science 346.6214 (2014): 1219–1223.
A falta de uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos experimentais sugere que a oportunidade de trabalhar por si só tenha “ensinado os jovens a processar informação social, lidar com pensamentos e emoções e estabelecer e alcançar metas de forma mais eficaz.” Além disso, vale destacar que a maior queda nas taxas de detenção ocorreu entre 5 e 11 meses depois do início do programa, o que revela os efeitos positivos e de longo prazo das mudanças de comportamento e perspectiva por ele trazidos.
Heller também reconheceu a contribuição dos mentores para a formação profissional dos alunos. Com o declínio da economia industrial nos centros urbanos americanos, na segunda metade do século XX, o exemplo do trabalhador-operário perdeu status frente ao surgimento do tráfico de drogas e de gangues.[4] Portanto, de acordo com Heller, a presença de adultos no programa pode ter restabelecido essa rede tradicional de apoio e ensino, abrindo novas possibilidades e escolhas de vida para jovens em situações vulneráveis.
Em termos da viabilidade financeira de uma intervenção como o OSP, a relação custo-benefício é uma consideração essencial. No caso do OSP, a curta duração fez com que o valor das despesas administrativas (US$1.600, não incluindo os salários dos participantes) fosse inferior ao benefício trazido pela redução da delinquência juvenil (US$1.700). Sem dúvida, antes de implementar um programa de emprego para jovens é preciso considerar se um investimento tão grande é adequado para o contexto local, pois a experiência de outros programas demonstra que o saldo positivo do OSP é mais a exceção do que a regra. Mesmo assim, Heller argumenta que qualquer discussão de custo-benefício deve levar em conta os custos de encarceramento quando uma sociedade opta pela punição ao invés de medidas preventivas.
Apesar dos resultados promissores do programa, ainda falta compreender quais fatores têm maior impacto sobre as taxas de violência juvenil. Também resta determinar sua relevância em diferentes contextos. Por exemplo, abandono escolar no Brasil constituiria um desafio para a adesão a programas como o OSP. Somente 58% dos jovens brasileiros terminam o ensino médio e “enquanto 85% dos alunos mais ricos no Brasil concluem o ensino médio, menos de 30% [dos que têm] menos recursos conseguem o mesmo.”[5] Este fenômeno de abandono escolar diferencia o caso brasileiro daquele dos EUA, mas o impacto observado do OSP em Chicago ainda pode inspirar uma visão alternativa de futuro para jovens vulneráveis no Brasil. É notável que já existam políticas de emprego juvenil como Menor/Jovem Aprendiz, mas seria interessante investigar se jovens de diferentes camadas socioeconômicas têm acesso equitativo a essas vagas. Além disso, vale destacar que a realização do Programa OSP durante as férias minimiza interrupções e limitações na trajetória acadêmica dos jovens que poderiam ocorrer caso fosse realizado durante o ano escolar.
No final das contas, a pesquisa de Heller demonstra que, concomitantemente a reformas educacionais para aumentar a assiduidade e o engajamento de alunos do ensino médio, políticas de emprego juvenil têm o potencial promover a participação cidadã e o desenvolvimento profissional e pessoal de jovens vulneráveis, contribuindo para a redução a frequência de crimes violentos que atualmente divide o Brasil.
[1] Heller, Sara B. “Summer Jobs Reduce Violence among Disadvantaged Youth.” Science 346.6214 (2014): 1219–1223.
[2] Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention, OJJDP Statistical Briefing Book, U.S. Department of Justice, Washington DC, 2014.
[3] Langton, Lynn et al. “Victimizations Not Reported to the Police, 2006–2010.” U.S. Department of Justice, Washington DC, 2012.
[4] Duneier, Mitchell. Sidewalk. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2001.
[5] Cabrol, Marcelo, Gádor Manzano, and Lauren Conn. “Vamos Lá, Brasil! Por Uma Nação de Jovens Formados.” Banco Interamericano de Desenvolvimento. 2014.
A maioria dos países adota há anos o censo demográfico como instrumento para conhecer as diferentes características de sua população, tais como distribuição de habitantes por gênero, cor e etnia. Além de fornecer este retrato estatístico, a realização periódica do censo também permite monitorar a composição da população ao longo dos anos, facilitando a identificação de grandes mudanças demográficas, como ocorreu no Chile entre os anos de 1992 e 2002.
No censo realizado em 1992, 10,3% da população chilena se autodeclarou indígena. Entretanto, tal porcentagem foi amplamente questionada à época, na medida em que o questionário aplicado considerou apenas as três etnias oficialmente reconhecidas: Mapuche, Aymara e Rapa Nui. Diante disso, os povos cujas etnias não foram contempladas no censo não compuseram as estatísticas, distorcendo a real dimensão dos povos indígenas no país andino.
Em 1993, depois de sancionada a Ley Indígena, cinco novas etnias passaram a ser oficialmente reconhecidas. No entanto, ao invés de registrar o aumento esperado, o censo realizado em 2002 apresentou uma redução no número de pessoas que declararam pertencer a alguma das oito etnias; após 10 anos, o Chile viu seus povos indígenas cair a apenas 4,6% da população.
O fato curioso é que no período compreendido entre ambos os censos não foram reportados quaisquer casos de genocídios, epidemias, migrações em massa ou outro fator que pudesse justificar tamanha redução em um curto espaço de tempo. Tal episódio passou a ser então reconhecido como um genocídio meramente estatístico.
O que levou a essa drástica redução, afinal?
Ao investigar a raiz do problema, conclui-se que seu fato gerador estava no modo de perguntar, ou seja, na formulação da questão aplicada pelo censo. Enquanto em 1992 a pergunta utilizada foi “se você é chileno, considera-se pertencente a alguma das seguintes culturas?”, em 2002 a questão foi modificada para “você pertence a algum dos seguintes povos originários ou indígenas?”.
O problema da alteração encontra-se no fato de que muitos povos indígenas possuem suas próprias definições sobre pertencimento que muitas vezes diverge da percepção do indivíduo sobre sua etnia. Portanto, podem existir pessoas que possuem ascendência indígena, seguem culturas e tradições indígenas, se reconhecem como indígenas, vivem dentro ou ao redor de comunidades indígenas, possuem as mesmas necessidades da comunidade a qual sentem pertencer, mas não são reconhecidos pelo povo como parte dele.
Mas qual é o problema do “genocídio estatístico”?
A questão indígena na América Latina é tratada com uma atenção especial pelos governos nacionais e organismos internacionais. Em termos de políticas públicas e garantias de direitos fundamentais, o conceito de “indígena” está mais diretamente relacionado ao sentimento de pertencimento do indivíduo à cultura e à etnia do que às determinações e regras de comunidades específicas. Nesse sentido, ao considerar os resultados obtidos no censo realizado em 2002, uma parcela significativa da população pode ter tido seus direitos mitigados ou, ainda, ter sido excluída de planejamentos e implementações de políticas públicas voltadas exclusivamente aos povos indígenas.
Considerando as implicações que possivelmente decorreram do resultado do último censo, a questão foi devidamente alterada para o censo realizado em 2012, de forma a abranger todos aqueles que se consideravam indígenas. Diante da pergunta “você se considera pertencente a algum povo indígena?”, 11,1% da população chilena assim se declarou. Contudo, é preciso destacar que devido a problemas metodológicos – exclusão de 10% da população da aplicação dos questionários – os resultados desse novo censo foram cancelados em 2014, voltando a viger aquele realizado em 2002.
O que podemos aprender com esse caso?
O caso do Chile não é o único registrado nesse sentido, mas ilustra perfeitamente as consequências que uma pergunta mal planejada pode trazer a uma pesquisa, seja ela censitária ou não. Antes de elaborar um questionário, um pesquisador precisa se preocupar, sobretudo, em conhecer bem o objetivo da pesquisa, a região na qual ela será aplicada e as características de seus entrevistados, pois caso contrário, o resultado obtido pode distorcer a realidade e as consequências podem ser irreparáveis.
Indicadores são formas de se verificar um conceito na realidade. Tipicamente são usados para medir a variação de um fenômeno. Nas ciências sociais, é muito frequente usarmos indicadores existentes, produzidos por grandes institutos de pesquisa ou mesmo pelo governo e amplamente divulgados na mídia.
No trabalho de um avaliador, indicadores conhecidos nem sempre dão de conta medir a variação que responde às perguntas de nossos clientes; nesses casos temos de construir novos indicadores.
Já falamos aqui brevemente de como indicadores são imprescindíveis para avaliar e monitorar o desempenho de instituições, órgãos e empresas. Mas ainda não discutimos o processo de construção deles ou mesmo do impacto que podem ter em nossas vidas; falaremos disso hoje.
Como são feitos?
De modo bastante direto: não importa quão conhecido ou novo seja o indicador, ao se apresentar os resultados de sua aplicação é preciso explicitar quais foram as definições dos conceitos que o nortearam e quais as dimensões escolhidas para compô-lo. Em outras palavras: dizer o que exatamente ele mede.
Explico um pouco mais.
Por muito tempo o principal indicador de pobreza foi a renda de um indivíduo, de chefe de domicílio, ou mesmo a renda domiciliar, ou seja, essencialmente um indicador econômico. Em 1997, a ONU produziu o Human Poverty Index (HPI), Índice de Pobreza Humana, que media privação em três esferas da vida humana: longevidade, conhecimento e padrão de vida decente[1]. Como o conceito de pobreza foi ampliado, se fez necessário medi-lo em mais dimensões.
É também recente a discussão sobre o PIB (Produto Interno Bruto). Medido em todos os países, é um indicador tão impactante na vida de uma nação a ponto de seu crescimento ser quase sempre o principal objetivo da política econômica. Em 2014, Michael Green, criador do Social Progress Index, indicou, em um TED Talk Global, o frequente uso do PIB como uma forma de mensurar quão bem-sucedidos são os países. Ele retorna ao economista e ao documento que inspiraram a criação do PIB, Simon Kuznets, que em 1934 entregou ao governo americano um relatório intitulado “National Income, 1929-1932”. O PIB, como expõe Green, mede desempenho econômico, e não bem-estar humano. É claro que há relação entre essas duas dimensões, na medida em que mais riqueza sendo produzida gera novas oportunidades para as pessoas, mas não corresponde ao conceito de bem-estar.
Isso significa que HPI e PIB são indicadores ruins?
Não exatamente. Diria que são indicadores sedutores. Por sua simplicidade e uso disseminado, é tentador atribuir a eles a mensuração de fenômenos que, na realidade, acabam não sendo medidos por limitações da definição e das dimensões analisadas por esses indicadores.
Reforço: é preciso que, antes de provocar alardes com relação aos números apresentados, quem o utilizará tenha clareza do que o que o indicador de fato mede, e, portanto, qual parcela da realidade ele de fato exibe[2].
E o que é um bom indicador?
Essa pergunta envolve várias dimensões práticas, como a facilidade de obtenção de dados e a simplicidade do processo de coleta, e metodológicas, como sua capacidade de capturar a variação existente, de ser aplicado em diversos momentos e lugares com os mesmos resultados, e também e fundamentalmente sua pertinência ao conceito que se quer medir.
Um indicador pertinente é aquele que faz a ligação entre um conceito e um fenômeno com a maior exatidão possível. Em outras palavras, quão bem o indicador mede, traduz, ou representa o conceito na realidade?
Para tanto, é preciso justificar suas escolhas de dimensões mensuradas. É particularmente importante explicitar essas informações quando criamos um indicador novo e que atende especificamente às necessidades de um projeto. Os indicadores ditos “mais conhecidos” e “amplamente divulgados” fazem isso no mais das vezes, mas nem todos que os utilizam atentaram ao processo de sua criação, o que evitaria uma série de equívocos.
MPI comparado com Renda da Extrema Pobreza em 104 países em desenvolvimento (clique para ampliar)
Um exemplo desta prática? Em 2010, em um aprimoramento e também substituição do HPI, a OPHI (Oxford Poverty & Human Development Initiative) e o PNUD (United Nations Development Programme) desenvolveram o Multidimentional Poverty Index (MPI), ou Índice de Pobreza Multidimensional. Esse índice considera que pobreza não é “apenas” questão de renda, longevidade, conhecimento e padrões de vida, mas também uma série de privações sofridas simultaneamente pelo indivíduo / núcleo familiar e que concernem dimensões de saúde e educação.
Aqui temos um conceito tão amplo e complexo que sua mensuração integral fica bastante comprometida na prática, a ponto de não poder ser aplicado de forma idêntica em todas as sociedades. Por isso, os criadores do MPI dizem abertamente que trata-se de um indicador flexível, e que comporta, portanto, a opção por diferentes dimensões explicitando sempre o motivo das escolhas. Nas palavras de uma das autoras do MPI,
o método é flexível e pode ser usado com diferentes dimensões, indicadores, pesos e limites (cut-offs) para criar medidas específicas para diferentes sociedades e situações. Pode ser usado para medir pobreza, bem-estar, serviços ou transferências condicionais de dinheiro (conditional cash transfers) para monitoramento e avaliação de programas.(SANTOS, ALKIRE, 2011, p. 17)[3]
Assim, temos um mesmo conceito que para ser bem capturado requer indicadores diferentes! Essa também é a ideia por trás do Índice de Progresso Social de Michael Green. O IPS é medido de formas distintas para que tenha o mesmo significado quando se compara países, quando se estuda municípios de uma mesma região, ou comunidades locais.
[1] Podem ser encontradas aqui: http://hdr.undp.org/en/statistics/understanding/indices/hpi
[2] Problema conhecido em metodologia como “operacionalização”.
[3] SANTOS, Maria Emma; ALKIRE, Sabina. Training Material for Producing National Human Development Reports: The Multidimensional Poverty Index (MPI). 2010.
Em março desse ano, o jornal The New York Times abriu espaço para que diferentes especialistas discutissem uma questão de extrema relevância: “A melhoria da educação estaria relacionada exclusivamente ao investimento financeiro?” (Is Improving Schools All About Money?). Essa é uma discussão chave quando se pensa sobre educação, inclusive levando em conta o contexto nacional, onde temos um sistema educacional público ainda bastante deficitário. Não podemos esquecer que em 2015 tivemos uma das greves de professores da rede pública mais longas da história, e cujos resultados não parecem terem sido favoráveis nem aos professores, nem ao sistema educacional e nem aos alunos, que são sempre as maiores vítimas.
Como esse painel de especialistas ocorreu nos Estados Unidos, devemos levar em conta as diferenças de contextos social, político, cultural e econômico, e que as demandas e necessidades são diferentes da realidade brasileira. Para começar, o sistema educacional público americano já está muito mais avançado do que o brasileiro, inclusive em termos de qualidade da educação e mesmo do público que atende as escolas públicas: é comum crianças e jovens de classe média frequentarem o ensino público. Nesse breve texto pretendo abordar alguns dos principais argumentos apresentados pelos painelistas.
Linda Darling-Hammond — diretora do Stanford Center for Opportunity Policy in Education – defende que toda a sociedade se beneficia quando há um maior investimento em educação. A educação pública não é igualitária, há escolas que recebem maiores investimentos do que outras, o que colabora com a preservação das desigualdades, já que muitas vezes as escolas que recebem menos investimento são aquelas frequentadas por pessoas com menos recursos, imigrantes e localizadas em bairros periféricos. Seria essa uma realidade muito diferente da brasileira? Aparentemente não. Nesse sentido, ela defende que não é apenas uma questão de redistribuição de investimentos, mas também de aumentar os investimentos financeiros nessas escolas em que há maior defasagem.
Por outro lado, Erick Hanushek — economista e membro do Hoover Institution of Stanford University – traz uma visão bastante distinta. Para ele, maiores investimentos não trazem necessariamente os avanços necessários. Por exemplo, o investimento feito por aluno mais do que dobrou nos Estados Unidos nos últimos 40 anos, porém, isso não se refletiu em melhorias no desempenho dos alunos em disciplinas como matemática e inglês. Nesse sentido, para Hanushek, antes de pensar um aumento nos investimentos, é necessário refletir sobre como investir os recursos já disponibilizados.
Yvone Mason – professora de escola pública — tem uma opinião que se aproxima da apresentada por Linda Darling-Hammond. Para ela, um ponto crucial para melhorar o sistema educacional é diminuir o número de alunos por sala e contratar mais professores, reformas essas que exigem um aumento de investimentos no setor. Ao diminuir o número de alunos por sala e contratar mais professores, a qualidade de ensino aumentaria, uma vez que cada aluno passaria a receber maior cuidado e atenção. Além disso, as relações estabelecidas entre os alunos e entre eles com os professores se tornam mais próximas, o que é favorável para o ambiente de ensino. Nicole Amato – que também já foi professora de escola pública – defende também que maiores investimentos são necessários, não apenas para aumentar os salários dos professores, mas também para oferecer programas de capacitação e melhores materiais pedagógicos e paradidáticos.
Por outro lado, Marguerite Roza — diretora do Edunomics Lab e professora associada da Georgetown University — tem uma percepção semelhante com a de Hanushek, ainda que um pouco mais “ousada”: é necessário criar uma dinâmica de produtividade associada ao sistema educacional. Nesse sentido, defende que os recursos sejam investidos sempre focando a melhoria dos resultados e performance dos alunos e professores. Por exemplo, os professores podem receber bônus dependendo dos resultados alcançados. Além disso, é necessário desenvolver estratégias que maximizem os investimentos no sentido de potencializar os retornos.
Lisa Delpit — professora universitária — tem a mesma opinião de Roza e argumenta trazendo o seguinte exemplo: não é pagando mais em uma academia que você emagrecerá mais, é necessário esforço e empenho para atingir melhores resultados. Nesse sentido, para ela, é necessário rever os investimentos, desenvolver avaliações, métricas e metodologias para definir ondem devem ser feitos os investimentos, de forma a garantir os resultados esperados.
Pensando a realidade brasileira, vemos que as questões levantadas, assim como os argumentos apresentados são semelhantes. O que fica claro é que na temática de educação, assim como em outras questões que envolvem políticas públicas, os argumentos variam muito. Além disso, é interessante refletirmos sobre como a posição ocupada por cada um influi diretamente nas opiniões apresentadas: nesse painel, por exemplo, os professores de escolas públicas eram os que defendiam maiores investimentos, são eles que vivenciam o dia-a-dia das escolas e percebem a necessidade de medidas de curto prazo. Por outro lado, aqueles que estão mais distantes das salas de aula podem ter um olhar mais horizontal, no sentido de pensar decisões cujos efeitos serão percebidos em longo prazo.