Transparência na gestão pública: monitoramento de políticas por meio de dados abertos

Uma das maneiras mais simples de se monitorar políticas públicas é recorrendo a dados da gestão pública que as instituições de governo disponibilizam online.

No mundo todo, é crescente a demanda pela transparência na divulgação desses dados. No Brasil, os órgãos e entidades públicas são obrigados a disponibilizar informações desde que a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) entrou em vigor em maio de 2012. Atualmente, o país ocupa o 18º lugar no Global Right to Information Rating, que ranqueia as legislações mais rigorosas, apesar de ter sido o 89º país a adotar uma lei de acesso à informação pública. A LAI já tem quatro anos e ainda há muitas falhas no atendimento aos pedidos de acesso à informação.

Na busca por governos mais transparentes, diversas iniciativas e portais foram criados tanto para facilitar o acesso e compreensão de dados disponibilizados, monitorando o desempenho ou gastos das gestões públicas, como para monitorar e cobrar a transparência dos governos nas instâncias municipal, estadual e federal.

Esses portais também auxiliam nas pesquisas de monitoramento quando é necessário recorrer a dados secundários. Tivemos oportunidade de conhecer algumas iniciativas ao longo dos nossos trabalhos e vamos partilhar algumas aqui no Blog.

Em trabalho com a Fundação Lemann, utilizamos o portal QEdu que monitora dados sobre a educação no Brasil. É possível comparar dados do Enem, Ideb, Censo Escolar e Prova Brasil por municípios e por todas as unidades escolares públicas e privadas, municipais e estaduais. O portal também possibilita desmembrar alguns indicadores, como o Ideb, formado pela nota da Prova Brasil no aprendizado (conhecimento de conteúdos) e no fluxo (taxa de aprovação).

Para o Instituto Ethos, trabalhamos com o Cidade Transparente. Trata-se de uma iniciativa que mensura a transparência municipal através dos Indicadores da Cidade Transparente, “obtido por meio da análise de informações e dados da administração pública” que é “adaptado da metodologia de avaliação da transparência das cidades-sede da Copa do Mundo desenvolvida no âmbito do projeto Jogos Limpos”, avaliado pela Plan. A iniciativa busca estimular a participação social e contribuir para melhoria da transparência dos municípios brasileiros.

Ainda monitorando o avanço da transparência no país, o Transparência Brasil acompanha informações sobre a vida e as decisões políticas no país. Três projetos principais são desenvolvidos pela organização: “Excelências”, com informações sobre o histórico dos congressistas, incluindo processos na justiça, multas, declarações de bens, etc; “Meritíssimo”, um acompanhamento das decisões dos ministros do STF; “Às Claras”, um banco de dados com informações sobre financiamento de campanhas eleitorais municipais, estaduais e nacionais desde 2002. O portal deve lançar em breve o “Cadê minha escola?” para monitorar de maneira participativa a construção de escolas e creches públicas.

No âmbito do monitoramento de arrecadação e gastos dos municípios, a Fundação Brava desenvolveu o portal Meu Município, que usa dados do Ministério da Fazenda (Secretaria do Tesouro Nacional) e do IBGE. A metodologia utilizada pode ser consultada aqui.

Conheça mais sobre as iniciativas pela transparência no Brasil:

Retps: Rede pela Transparência e Participação Social
GPoPAI – USP: Grupo de Pesquisas em Políticas Públicas para o Acesso à Informação
Eaesp – FGV
Artigo 19

Usando indicadores para medir a realidade? A economia? Ou o quê, precisamente?

O que são indicadores?

Indicadores são formas de se verificar um conceito na realidade. Tipicamente são usados para medir a variação de um fenômeno. Nas ciências sociais, é muito frequente usarmos indicadores existentes, produzidos por grandes institutos de pesquisa ou mesmo pelo governo e amplamente divulgados na mídia.

No trabalho de um avaliador, indicadores conhecidos nem sempre dão de conta medir a variação que responde às perguntas de nossos clientes; nesses casos temos de construir novos indicadores.

Já falamos aqui brevemente de como indicadores são imprescindíveis para avaliar e monitorar o desempenho de instituições, órgãos e empresas. Mas ainda não discutimos o processo de construção deles ou mesmo do impacto que podem ter em nossas vidas; falaremos disso hoje.

Como são feitos?

De modo bastante direto: não importa quão conhecido ou novo seja o indicador, ao se apresentar os resultados de sua aplicação é preciso explicitar quais foram as definições dos conceitos que o nortearam e quais as dimensões escolhidas para compô-lo. Em outras palavras: dizer o que exatamente ele mede.

Explico um pouco mais.

Por muito tempo o principal indicador de pobreza foi a renda de um indivíduo, de chefe de domicílio, ou mesmo a renda domiciliar, ou seja, essencialmente um indicador econômico. Em 1997, a ONU produziu o Human Poverty Index (HPI), Índice de Pobreza Humana, que media privação em três esferas da vida humana: longevidade, conhecimento e padrão de vida decente[1]. Como o conceito de pobreza foi ampliado, se fez necessário medi-lo em mais dimensões.

É também recente a discussão sobre o PIB (Produto Interno Bruto). Medido em todos os países, é um indicador tão impactante na vida de uma nação a ponto de seu crescimento ser quase sempre o principal objetivo da política econômica. Em 2014, Michael Green, criador do Social Progress Index, indicou, em um TED Talk Global, o frequente uso do PIB como uma forma de mensurar quão bem-sucedidos são os países. Ele retorna ao economista e ao documento que inspiraram a criação do PIB, Simon Kuznets, que em 1934 entregou ao governo americano um relatório intitulado “National Income, 1929-1932”. O PIB, como expõe Green, mede desempenho econômico, e não bem-estar humano. É claro que há relação entre essas duas dimensões, na medida em que mais riqueza sendo produzida gera novas oportunidades para as pessoas, mas não corresponde ao conceito de bem-estar.

Isso significa que HPI e PIB são indicadores ruins?

Não exatamente. Diria que são indicadores sedutores. Por sua simplicidade e uso disseminado, é tentador atribuir a eles a mensuração de fenômenos que, na realidade, acabam não sendo medidos por limitações da definição e das dimensões analisadas por esses indicadores.

Reforço: é preciso que, antes de provocar alardes com relação aos números apresentados, quem o utilizará tenha clareza do que o que o indicador de fato mede, e, portanto, qual parcela da realidade ele de fato exibe[2].

E o que é um bom indicador?

Essa pergunta envolve várias dimensões práticas, como a facilidade de obtenção de dados e a simplicidade do processo de coleta, e metodológicas, como sua capacidade de capturar a variação existente, de ser aplicado em diversos momentos e lugares com os mesmos resultados, e também e fundamentalmente sua pertinência ao conceito que se quer medir.

Um indicador pertinente é aquele que faz a ligação entre um conceito e um fenômeno com a maior exatidão possível. Em outras palavras, quão bem o indicador mede, traduz, ou representa o conceito na realidade?

Para tanto, é preciso justificar suas escolhas de dimensões mensuradas. É particularmente importante explicitar essas informações quando criamos um indicador novo e que atende especificamente às necessidades de um projeto. Os indicadores ditos “mais conhecidos” e “amplamente divulgados” fazem isso no mais das vezes, mas nem todos que os utilizam atentaram ao processo de sua criação, o que evitaria uma série de equívocos.

MPI comparado com Renda da Extrema Pobreza em 104 países em desenvolvimento (clique para ampliar)

Um exemplo desta prática? Em 2010, em um aprimoramento e também substituição do HPI, a OPHI (Oxford Poverty & Human Development Initiative) e o PNUD (United Nations Development Programme) desenvolveram o Multidimentional Poverty Index (MPI), ou Índice de Pobreza Multidimensional.  Esse índice considera que pobreza não é “apenas” questão de renda, longevidade, conhecimento e padrões de vida, mas também uma série de privações sofridas simultaneamente pelo indivíduo / núcleo familiar e que concernem dimensões de saúde e educação.

Aqui temos um conceito tão amplo e complexo que sua mensuração integral fica bastante comprometida na prática, a ponto de não poder ser aplicado de forma idêntica em todas as sociedades. Por isso, os criadores do MPI dizem abertamente que trata-se de um indicador flexível, e que comporta, portanto, a opção por diferentes dimensões explicitando sempre o motivo das escolhas. Nas palavras de uma das autoras do MPI,

o método é flexível e pode ser usado com diferentes dimensões, indicadores, pesos e limites (cut-offs) para criar medidas específicas para diferentes sociedades e situações. Pode ser usado para medir pobreza, bem-estar, serviços ou transferências condicionais de dinheiro (conditional cash transfers) para monitoramento e avaliação de programas.(SANTOS, ALKIRE, 2011, p. 17)[3]

Assim, temos um mesmo conceito que para ser bem capturado requer indicadores diferentes! Essa também é a ideia por trás do Índice de Progresso Social de Michael Green. O IPS é medido de formas distintas para que tenha o mesmo significado quando se compara países, quando se estuda municípios de uma mesma região, ou comunidades locais.

Saiba mais:

Can we improve the way we measure poverty? The UN’s new poverty index. http://oxfamblogs.org/fp2p/can-we-improve-the-way-we-measure-poverty-the-uns-new-poverty-index/


[1] Podem ser encontradas aqui: http://hdr.undp.org/en/statistics/understanding/indices/hpi

[2] Problema conhecido em metodologia como “operacionalização”.

[3] SANTOS, Maria Emma; ALKIRE, Sabina. Training Material for Producing National Human Development Reports: The Multidimensional Poverty Index (MPI). 2010.

Efeito território

Quando se fala em projetos de reorganização de grandes cidades e diminuição da exclusão social, como por exemplo o Plano Diretor da cidade de São Paulo, não é incomum haver aqueles que defendem a ideia da criação de moradias populares em áreas onde residem pessoas de classe média e alta.

A lógica argumentativa não é de difícil compreensão: áreas mais ricas da cidade são mais bem aparelhadas, têm mais opções de serviços e oferecem melhores alternativas de mobilidade.

Em grandes centros urbanos, as periferias são distantes e o acesso centro-periferia é difícil. Distância física transforma-se em distância social, graças à qual o contato entre pessoas do centro e da periferia ocorre quase que apenas quando os que residem nas periferias assumem funções de trabalho em áreas centrais da cidade. Pessoas de classe média e alta irem a bairros de classe trabalhadora é algo ainda mais raro, ou seja, essa dinâmica acaba criando guetos urbanos e acentua a exclusão social. Ainda que nas grandes cidades brasileiras também haja bairros pobres próximos às suas regiões centrais, a distância social permanece.

Estudos que discutem a influência de nascer em bairros pobres ou mais ricos na vida das pessoas são cada vez mais frequentes, em especial nas áreas de Sociologia Urbana e Urbanismo. Entre estes, o artigo “Geographic Effects on Intergenerational Income Mobility” (2014), publicado pelos pesquisadores americanos Douglas Massey, da Universidade de Princeton, e Jonathan Rothwell, do Instituto Brookings, merece destaque.

Segundo os autores, pessoas que passam os primeiros 16 anos de suas vidas morando em bairros mais pobres têm vivências que, mesmo mudando de bairro, não são superadas, ou seja, são como cicatrizes muito difíceis de serem apagadas.

As “cicatrizes” descritas pelos autores estão associadas a pontos como falta de infraestrutura local, desordem social, crime, violência e serviços públicos de má qualidade. Além disso, os autores retomam teses que já eram discutidas pela Escola de Chicago, de que o bairro onde as pessoas residem é um espaço fundamental de interação social e de criação de aspirações.

Os autores utilizaram dados do Panel Study of Income Dynamics and Census Data e aferiram que quem vive por 16 anos ou mais em vizinhanças mais pobres, independentemente das mudanças de residência que vier a fazer e da ascensão social que tiver, tende a ganhar US$ 910.000 a menos ao longo da vida do que se tivesse nascido em bairros mais ricos, considerando a realidade dos EUA.

Nesse sentido, de acordo com os autores, para haver mobilidade social e diminuição da diferença social é preciso que haja também uma reorganização do espaço urbano. Como Massey aponta: “À medida que a distribuição de renda fica mais desigual, ocorre o mesmo com a distribuição dos bairros. A concentração da riqueza e da pobreza aumentou. Os bairros pobres se tornaram mais pobres, e ficou mais difícil escapar do status socioeconômico da pobreza.” Assim, o bairro onde a pessoa nasce tenderia a ser um fator determinante da renda ao longo de sua vida. Como afirma Massey: “O talento e a habilidade se contraem quando as pessoas estão presas em ambientes segregados”.

Ainda que o estudo tenha sido conduzido nos Estados Unidos, em que a segregação espacial urbana é muito acentuada, não é difícil visualizar esse cenário no Brasil. Aqui a valorização do solo urbano está altamente correlacionada à presença de infra-estrutura e serviços de qualidade e, nas situações em que isso não ocorre, como nos encraves de favelas em áreas de maior renda, a diferença social é delimitada de maneira inequívoca pelo padrão de ocupação.

Nesse sentido, vale tomar esse estudo para refletir sobre como o espaço social e as relações sociais estão diretamente relacionados, bem como os impactos gerados por fatores que são ditos “aleatórios”: nesse caso, o bairro em que a pessoa nasceu.

Saúde Brasileira em Números: Onde Pesquisar?

Os dados secundários estatísticos são amplamente utilizados para embasar hipóteses e teorias acadêmicas, para ilustrar notícias e artigos de opinião nos media ou como argumento em discussões de café. Apesar disso, frequentemente esses dados são referidos fora do contexto em que foram produzidos e, por isso, acabam por dar azo a interpretações deturpadas.

Ao utilizar dados secundários cuja coleta é responsabilidade de terceiros, é necessário considerar o risco associado à possibilidade de haver displicência no processo de coleta o que, em consequência, coloca em causa a fiabilidade dos dados. Dessa forma, é fundamental utilizar apenas dados produzidos por fontes fidedignas.

Em post anterior indicamos as principais fontes de dados secundários sobre Educação, esta semana trataremos de outro tema fundamental para diagnósticos: a Saúde.

Como na Educação, também os dados sobre Saúde estão particularmente concentrados numa fonte: o Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Infelizmente, e aqui ao contrário do que acontece na Educação, o sistema não merece referência nem pela sua organização nem pela sua usabilidade. Complementarmente, podem ser ainda consultados o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar de não disponibilizar microdados das suas pesquisas sobre saúde, e a Organização Mundial de Saúde (OMS), embora os dados disponíveis sejam apenas de nível nacional e não tenha página em português.

Considerando, então, os dados do DATASUS, estes podem ser acedidos através do TABNET e, apesar de este se encontrar dividido por temas, em “Indicadores de Saúde” é possível encontrar os dados mais relevantes:

Indicadores e Dados Básicos (IDB): com dados sobre morbidade, mortalidade, fatores de risco e proteção, sobre recursos e cobertura de serviços, o IDB, ainda que com os obstáculos causados pela má usabilidade, é a ferramenta mais completa do site.
Sala de Situação, Cadernos de Informação de Saúde e Monitoramento de Mortalidade: ainda que mais limitados que os dados do IDB, o desenho das ferramentas foi bastante mais feliz e, para uma pesquisa mais superficial, permitem encontrar dados relevantes em menos tempo.

Educação Brasileira em Números: Onde Pesquisar?

Os dados secundários estatísticos são amplamente utilizados para embasar hipóteses e teorias acadêmicas, para ilustrar notícias e artigos de opinião nos media ou como argumento em discussões de café. Apesar disso, frequentemente esses dados são referidos fora do contexto em que foram produzidos e, por isso, acabam por dar azo a interpretações deturpadas.

Ao utilizar dados secundários, cuja coleta é responsabilidade de terceiros, é necessário considerar o risco associado à possibilidade de haver displicência no processo de coleta o que, em consequência, coloca em causa a fiabilidade dos dados. Dessa forma, é fundamental utilizar apenas dados produzidos por fontes fidedignas.

Ao longo das próximas semanas publicaremos as fontes de referência para a obtenção de dados estatísticos de vários tópicos sobre o Brasil. Esta semana, a Educação.

Os dados estatísticos sobre a Educação no Brasil estão bastante centralizados e são, na sua grande maioria, da responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que os disponibiliza em diversos formatos: microdados, sinopses e consultas no próprio site. Complementariamente, sugerimos também a consulta dos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Instituto Nacional Estudos Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)

Microdados
Censo Educação Superior (1995-2011)
Censo Escolar (1995-2012)
Censo Profissionais do Magistério (2003)
Enade (2004-2011)
Enem (1998-2011)
Pesquisa de Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar (2008)
Pnera (2004)
Prova Brasil (2007-2011)
Provão (1997-2003)
Saeb (1995-2011)

Sinopses
Educação Básica
Média de Alunos por Turma (2007-2010)
Média de Horas-Aula diária (2010)
Taxa de distorção idade-série (2006-2010)
Taxa de Rendimento (2007-2011)
Taxa de Não Resposta (2010-2011)
Educação Superior
Número de Cursos, Matrículas e Concluintes (1991-2010)

Consulta no Site
Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (2005-2011)

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Censo Demográfico
Dados de Alfabetização (2010)

PNAD
Número Médio de Anos de Estudo (2005 a 2006)

Fundo Nac. Desenvolvimento Educação (FNDE)

Investimento na Educação
Valor ano/aluno e Receita Anual Prevista (2007-2011)