De “até amanhãs” a um até breve

Hoje é 10 de julho. Há exatos quatro anos vivia meu primeiro dia de trabalho na Plan. No entanto, a 21 dias de completar o quarto aniversário de empresa, me despedi de todos com um “até breve” e não um “até amanhã”. Entre o momento de apagar as luzes do escritório até chegar ao térreo, um grande vazio de ideias. Ao primeiro passo para fora do edifício, uma infinidade de lembranças que eu não sabia até então ser possível virem à mente com tanta rapidez: desde a entrevista, as perguntas que me fizeram e ver a Camila grávida já quase dando à luz, até o último e-mail que enviei a um cliente. Quase  quatro anos de muito trabalho, de aprendizados, de oportunidades e quatro anos de ver uma empresa crescer. Este post iniciado tão emotivamente é para partilhar um pouco não só do que foi a minha jornada na Plan, mas do que foi a bela jornada da Plan nesses (quase) quatro anos.

Em julho de 2014 éramos seis: chefes Fabrizio e Camila, Ana Paula no administrativo, avaliadores (e meus mentores!) Veridiana Mansour e João Martinho… e eu no cargo de pesquisadora, recém-saída da faculdade. Até o final daquele ano ainda chegariam Rafaela e Liora para completar o time. E que time diverso! Versados nas ciências sociais, nas políticas e administração públicas, no direito, na economia e nas relações internacionais. Hoje olho para os profissionais que fizeram e fazem a Plan e enxergo habilidades e conhecimentos que se complementam, profissionais comprometidos e atentos a detalhes, empenhados em sempre buscar o melhor, em sempre apresentar algo a mais, em sempre se superarem. Enfim, sempre prontos a enfrentarem os grandes desafios nas pesquisas que realizamos. E quantos desafios!

A diversidade de temas dos projetos com que trabalhamos naquele meu primeiro ano acompanhava a diversidade da qualificação dos profissionais e tal diversidade era início do que se tornariam áreas de especialidade da Plan: pesquisa socioeconômica ligada à habitação; pesquisa no âmbito do desenvolvimento infantil e de políticas educacionais; pesquisas ligadas ao desenvolvimento rural no Brasil e na África.

Vi a Plan mudar de tamanho, se expandir e se internacionalizar ainda mais. Vi duas novas estações de trabalho serem construídas ainda no escritório da Rua Tupi, vi o escritório ficar pequeno e mudarmos para um maior. Vi a Plan mudar de endereço no Brasil e ganhar também um endereço internacional. De modo análogo, vi a Plan mudar de “Plan Políticas Públicas” para “Plan Avaliação”, com direito a também nome internacional; a “Plan Eval”. Que jornada que pude acompanhar! Que alegria ter participado, ter contribuído e visto de perto tudo isso! E tenho certeza que no futuro da Plan não há senão muito trabalho, crescimento e muito sucesso!

Por fim, para além de tudo o que esse período me proporcionou profissionalmente, ficam em um lugar especial do coração os momentos divididos com os colegas de trabalho – as risadas dos almoços de sexta-feira, os tantos “Parabéns a você” que cantamos juntos e sempre meio sem graça, meio dando risada a cada aniversário de um de nós. Ficam as memórias da cumplicidade dos dias trabalhados até tarde para conseguirmos materializar nossos melhores esforços. Ficam nossas brincadeiras, nossa parca habilidade para happy hours, nossas piadas internas. Fica a memória de ter visto as famílias da Camila, da Liora e da Rafaela crescerem. Ficam as memórias das mais de vinte cidades que pude conhecer trabalhando pela Plan nesse “Brasilzão de Meu Deus”. Brasil esse que a gente aprende a conhecer, que não cansa de nos surpreender e que tanto nos ensina, sempre. Afinal, trabalhar com pesquisa é um pouco isso: aprender, ensinar e não se cansar de ser sempre surpreendido. Seja pela trajetória de cada pesquisa, seja por seus resultados.

 

Ao time da Plan, com muito carinho,

Um abraço e um até breve,

Cris

Transparência na gestão pública: monitoramento de políticas por meio de dados abertos

Uma das maneiras mais simples de se monitorar políticas públicas é recorrendo a dados da gestão pública que as instituições de governo disponibilizam online.

No mundo todo, é crescente a demanda pela transparência na divulgação desses dados. No Brasil, os órgãos e entidades públicas são obrigados a disponibilizar informações desde que a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) entrou em vigor em maio de 2012. Atualmente, o país ocupa o 18º lugar no Global Right to Information Rating, que ranqueia as legislações mais rigorosas, apesar de ter sido o 89º país a adotar uma lei de acesso à informação pública. A LAI já tem quatro anos e ainda há muitas falhas no atendimento aos pedidos de acesso à informação.

Na busca por governos mais transparentes, diversas iniciativas e portais foram criados tanto para facilitar o acesso e compreensão de dados disponibilizados, monitorando o desempenho ou gastos das gestões públicas, como para monitorar e cobrar a transparência dos governos nas instâncias municipal, estadual e federal.

Esses portais também auxiliam nas pesquisas de monitoramento quando é necessário recorrer a dados secundários. Tivemos oportunidade de conhecer algumas iniciativas ao longo dos nossos trabalhos e vamos partilhar algumas aqui no Blog.

Em trabalho com a Fundação Lemann, utilizamos o portal QEdu que monitora dados sobre a educação no Brasil. É possível comparar dados do Enem, Ideb, Censo Escolar e Prova Brasil por municípios e por todas as unidades escolares públicas e privadas, municipais e estaduais. O portal também possibilita desmembrar alguns indicadores, como o Ideb, formado pela nota da Prova Brasil no aprendizado (conhecimento de conteúdos) e no fluxo (taxa de aprovação).

Para o Instituto Ethos, trabalhamos com o Cidade Transparente. Trata-se de uma iniciativa que mensura a transparência municipal através dos Indicadores da Cidade Transparente, “obtido por meio da análise de informações e dados da administração pública” que é “adaptado da metodologia de avaliação da transparência das cidades-sede da Copa do Mundo desenvolvida no âmbito do projeto Jogos Limpos”, avaliado pela Plan. A iniciativa busca estimular a participação social e contribuir para melhoria da transparência dos municípios brasileiros.

Ainda monitorando o avanço da transparência no país, o Transparência Brasil acompanha informações sobre a vida e as decisões políticas no país. Três projetos principais são desenvolvidos pela organização: “Excelências”, com informações sobre o histórico dos congressistas, incluindo processos na justiça, multas, declarações de bens, etc; “Meritíssimo”, um acompanhamento das decisões dos ministros do STF; “Às Claras”, um banco de dados com informações sobre financiamento de campanhas eleitorais municipais, estaduais e nacionais desde 2002. O portal deve lançar em breve o “Cadê minha escola?” para monitorar de maneira participativa a construção de escolas e creches públicas.

No âmbito do monitoramento de arrecadação e gastos dos municípios, a Fundação Brava desenvolveu o portal Meu Município, que usa dados do Ministério da Fazenda (Secretaria do Tesouro Nacional) e do IBGE. A metodologia utilizada pode ser consultada aqui.

Conheça mais sobre as iniciativas pela transparência no Brasil:

Retps: Rede pela Transparência e Participação Social
GPoPAI – USP: Grupo de Pesquisas em Políticas Públicas para o Acesso à Informação
Eaesp – FGV
Artigo 19

Reduzindo a pobreza pela política habitacional

Idealmente, espera-se que as políticas públicas encontrem soluções sustentáveis para problemas sociais, ou seja, com algum grau de permanência. A pobreza, visível todos os dias das ruas aos noticiários, é uma das principais questões de política pública. Programas sociais já tiveram impacto em reduzi-la (Bolsa Família, por exemplo), mas no que tange a pobreza que dorme embaixo de viadutos, nas portas de comércios e grelhas de ventilação —a pobreza dos desabrigados— ainda há muito o que fazer.

Este artigo discute um pouco dos atuais problemas habitacionais nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos e apresenta algumas das políticas públicas realizadas por lá.

O problema de moradia e o crescimento dos homeless nos Estados Unidos é cada vez mais debatido nos noticiários. As grandes cidades nunca tiveram índices tão altos de populações de rua.  Um dos motivos para tal fenômeno é o crescimento no número de despejos: por não conseguirem pagar o aluguel ou em alguns casos a hipoteca, famílias são expulsas do lugar onde moram, e a dificuldade de encontrar vagas em abrigos ou locadores que as aceitem aumenta a probabilidade de ficarem desabrigadas.

O pesquisador e sociólogo urbano de Harvard, Matthew Desmond, realizou um recente estudo sobre despejos nos Estados Unidos. Baseado em dados quantitativos e pesquisa de campo com 8 famílias que sofreram despejos na cidade de Milwaukee (WI), ele concluiu que os despejos são uma causa da pobreza e não o resultado dela:

“Famílias que sofrem despejo perdem a moradia e seus pertences, que ficam ou empilhadas na calçada ou são armazenadas. Se as agora famílias de rua deixaram de realizar os pagamentos, seus pertences são ou vendidos ou jogados no lixo. Crianças perdem a escola e pessoas perdem seus trabalhos. Os despejos vêm junto com um histórico da família registrado em tribunal, e isso pode afetar onde a família vai viver dali em diante. Muitos proprietários recusam famílias que tenham sido despejadas recentemente. Isso faz com que essas famílias passem a ocupar bairros e moradias piores. As autoridades responsáveis por habitação pública tratam despejos como um entrave às inscrições das famílias em programas sócias de habitação, o que significa que as que mais precisam de ajuda, as despejadas, são negadas. (…). [O despejo] é um fator que desencadeia depressão; com efeitos na saúde mental. Você coloca tudo isso na ponta do lápis e chega a uma nova forma de ver a pobreza, uma que vê os despejos como algo que coloca as famílias em uma trajetória social muito mais complicada.”

É fácil associar despejos à “simples” incapacidade de pagar o aluguel. No entanto, essa percepção deve ser colocada em perspectiva.

Desmond menciona que quando se lê reportagens sobre desocupações no New York Times nos anos 1930 e 1940, o despejo era algo que chamava atenção das pessoas e não era frequente. Hoje, um em cada oito inquilinos em uma grande cidade americana sofre despejos a cada dois anos na média. O que nos leva a perguntar: o número de despejos aumentou com o passar das décadas e se tornou algo “normal”? Desmond confessa a dificuldade de encontrar dados de séries históricas sobre despejos nos Estados Unidos, mas dados sobre o valor dos aluguéis – outra maneira de olhar para o mesmo problema – revelam uma evolução preocupante.

O geógrafo Eric Fischer pesquisou o valor dos aluguéis descritos em anúncios de jornais na cidade de São Francisco nos últimos 70 anos e concluiu que o aumento tem sido, em média, de 6.6% ao ano. Isso significa 2.5% acima da inflação. Em 60 anos é como se o preço da habitação quadruplicasse comparado a todas as outras coisas com que os salários devem arcar. São Francisco pensou sim em controlar o valor dos alugueis já em 1979, mas outras variáveis como o número de unidades habitacionais disponíveis, o valor dos salários e o número de empregos fazem parte da equação para de fato evitar o aumento da população de rua.

Existe uma fórmula para a política habitacional nos grandes centros urbanos? Tem dado certo?

O controle do valor dos aluguéis é de fato uma das maneiras de se evitar o aumento do número de moradores temporários de rua e foi implantado em Berlim, por exemplo. É a primeira cidade da Alemanha a adotar uma legislação que proíbe aumentar o valor do aluguel em mais de 10% do valor pago pelo último locatário. Além de ser uma forma de conter um dos valores de aluguel que mais aumenta na Europa e que é marcado por uma grande diferença no valor pago em contratos de aluguel existentes e novos, tenta evitar que Berlim se transforme em uma Paris ou Londres, onde a população com baixos salários não necessariamente vai para a rua, mas deixa de poder viver nas principais zonas da cidade e acaba sendo empurrada para áreas periféricas. O controle dos aluguéis pode evitar novos despejos, mas certamente não soluciona a situação de quem já tem a rua como morada permanente.

Aliás, despejo não é o único motivo que leva famílias ou pessoas a adotar a rua como moradia. Essa população tem diferentes perfis e origens. Já em 1992, o psicólogo Sam Tsemberis mostrou uma diferença taxonômica, identificando dois tipos de moradores de rua: o temporário e o permanente. Considerou que o primeiro pode ser mais facilmente ajudado pelo Estado: pode ser vítima de despejo, de desemprego e há programas sociais que podem prover assistência. O segundo é, no mais das vezes, vítima de uma pobreza extrema, associada à dependência química, alto consumo de álcool e transtornos mentais. De forma semelhante, Eneida Bezerra et al. trazem as diferenças entre “Ficar na rua”, “Estar na rua” e “Ser da rua”, sendo as duas primeiras formas no âmbito temporário e a última no permanente.

Uma política pública de sucesso fez cair 23% o número dos moradores de rua permanentes desde meados de 2015 e em 60% desde 2013 em três condados da Flórida, Estados Unidos. A prática implica em uma inversão de um antigo conceito. Em vez de primeiro dar tratamento aos moradores permanentes de rua (em especial as vítimas de traumas, com uso abusivo de substâncias psicoativas ou transtornos mentais) e depois dar-lhes moradia com condicionantes (como permanecerem “limpos” e “sãos”), a região da Flórida Central passou a oferecer moradia permanente sem os tradicionais fatores condicionantes. A estratégia é chamada de “housing first” (moradia primeiro) e tem mostrado que os beneficiários vem conseguindo manter a casa em 63 a 77% dos casos, ao invés dos 24 a 39% que receberam casa com as estratégias condicionantes. Bons resultados também aparecem em Seattle, Denver e Washington, além dos estados de Rhode Island, Illinois e Utah.

Por fim, voltando ao caso de moradores temporários que, além de vítimas de despejo não dispõem de recursos para pagamento de pensão e buscam alternativa às ruas em albergues, a recente mudança no direcionamento do orçamento dado pelo Department of Housing and Urban Development (Federal) têm deixado os gestores de abrigos preocupados.

A ideia é direcionar o orçamento para moradias permanentes, indicando que é uma medida mais produtiva do que os abrigos municipais transitórios. Essa medida pode significar perda de 500 camas distribuídas em aproximadamente 12 abrigos na cidade de Nova Iorque onde vivem 58 mil pessoas —numa cidade que tem por obrigação fornecer abrigo a todos os moradores de rua.

Ao que tudo indica, a transferência para a moradia permanente pode mesmo ser uma melhor alternativa. No entanto, cortar custos dos albergues é uma manobra muito arriscada. O New York Times indica que “moradia permanente pode ser uma solução para famílias desabrigadas, mas moradores de rua sós precisam de mais ajuda no combate a outros fatores —desde transtornos mentais até a recuperação pós-encarceramento— e os serviços dos albergues também prestavam auxílio a esses problemas”.

A medida é recente, foi divulgada em maio de 2016 e ainda não há pesquisas que possam indicar os resultados da mudança no direcionamento do orçamento dos albergues. No entanto, o grande risco é que se torne em uma nova forma de despejo, o despejo dos abrigos.

Fontes

Usando indicadores para medir a realidade? A economia? Ou o quê, precisamente?

O que são indicadores?

Indicadores são formas de se verificar um conceito na realidade. Tipicamente são usados para medir a variação de um fenômeno. Nas ciências sociais, é muito frequente usarmos indicadores existentes, produzidos por grandes institutos de pesquisa ou mesmo pelo governo e amplamente divulgados na mídia.

No trabalho de um avaliador, indicadores conhecidos nem sempre dão de conta medir a variação que responde às perguntas de nossos clientes; nesses casos temos de construir novos indicadores.

Já falamos aqui brevemente de como indicadores são imprescindíveis para avaliar e monitorar o desempenho de instituições, órgãos e empresas. Mas ainda não discutimos o processo de construção deles ou mesmo do impacto que podem ter em nossas vidas; falaremos disso hoje.

Como são feitos?

De modo bastante direto: não importa quão conhecido ou novo seja o indicador, ao se apresentar os resultados de sua aplicação é preciso explicitar quais foram as definições dos conceitos que o nortearam e quais as dimensões escolhidas para compô-lo. Em outras palavras: dizer o que exatamente ele mede.

Explico um pouco mais.

Por muito tempo o principal indicador de pobreza foi a renda de um indivíduo, de chefe de domicílio, ou mesmo a renda domiciliar, ou seja, essencialmente um indicador econômico. Em 1997, a ONU produziu o Human Poverty Index (HPI), Índice de Pobreza Humana, que media privação em três esferas da vida humana: longevidade, conhecimento e padrão de vida decente[1]. Como o conceito de pobreza foi ampliado, se fez necessário medi-lo em mais dimensões.

É também recente a discussão sobre o PIB (Produto Interno Bruto). Medido em todos os países, é um indicador tão impactante na vida de uma nação a ponto de seu crescimento ser quase sempre o principal objetivo da política econômica. Em 2014, Michael Green, criador do Social Progress Index, indicou, em um TED Talk Global, o frequente uso do PIB como uma forma de mensurar quão bem-sucedidos são os países. Ele retorna ao economista e ao documento que inspiraram a criação do PIB, Simon Kuznets, que em 1934 entregou ao governo americano um relatório intitulado “National Income, 1929-1932”. O PIB, como expõe Green, mede desempenho econômico, e não bem-estar humano. É claro que há relação entre essas duas dimensões, na medida em que mais riqueza sendo produzida gera novas oportunidades para as pessoas, mas não corresponde ao conceito de bem-estar.

Isso significa que HPI e PIB são indicadores ruins?

Não exatamente. Diria que são indicadores sedutores. Por sua simplicidade e uso disseminado, é tentador atribuir a eles a mensuração de fenômenos que, na realidade, acabam não sendo medidos por limitações da definição e das dimensões analisadas por esses indicadores.

Reforço: é preciso que, antes de provocar alardes com relação aos números apresentados, quem o utilizará tenha clareza do que o que o indicador de fato mede, e, portanto, qual parcela da realidade ele de fato exibe[2].

E o que é um bom indicador?

Essa pergunta envolve várias dimensões práticas, como a facilidade de obtenção de dados e a simplicidade do processo de coleta, e metodológicas, como sua capacidade de capturar a variação existente, de ser aplicado em diversos momentos e lugares com os mesmos resultados, e também e fundamentalmente sua pertinência ao conceito que se quer medir.

Um indicador pertinente é aquele que faz a ligação entre um conceito e um fenômeno com a maior exatidão possível. Em outras palavras, quão bem o indicador mede, traduz, ou representa o conceito na realidade?

Para tanto, é preciso justificar suas escolhas de dimensões mensuradas. É particularmente importante explicitar essas informações quando criamos um indicador novo e que atende especificamente às necessidades de um projeto. Os indicadores ditos “mais conhecidos” e “amplamente divulgados” fazem isso no mais das vezes, mas nem todos que os utilizam atentaram ao processo de sua criação, o que evitaria uma série de equívocos.

MPI comparado com Renda da Extrema Pobreza em 104 países em desenvolvimento (clique para ampliar)

Um exemplo desta prática? Em 2010, em um aprimoramento e também substituição do HPI, a OPHI (Oxford Poverty & Human Development Initiative) e o PNUD (United Nations Development Programme) desenvolveram o Multidimentional Poverty Index (MPI), ou Índice de Pobreza Multidimensional.  Esse índice considera que pobreza não é “apenas” questão de renda, longevidade, conhecimento e padrões de vida, mas também uma série de privações sofridas simultaneamente pelo indivíduo / núcleo familiar e que concernem dimensões de saúde e educação.

Aqui temos um conceito tão amplo e complexo que sua mensuração integral fica bastante comprometida na prática, a ponto de não poder ser aplicado de forma idêntica em todas as sociedades. Por isso, os criadores do MPI dizem abertamente que trata-se de um indicador flexível, e que comporta, portanto, a opção por diferentes dimensões explicitando sempre o motivo das escolhas. Nas palavras de uma das autoras do MPI,

o método é flexível e pode ser usado com diferentes dimensões, indicadores, pesos e limites (cut-offs) para criar medidas específicas para diferentes sociedades e situações. Pode ser usado para medir pobreza, bem-estar, serviços ou transferências condicionais de dinheiro (conditional cash transfers) para monitoramento e avaliação de programas.(SANTOS, ALKIRE, 2011, p. 17)[3]

Assim, temos um mesmo conceito que para ser bem capturado requer indicadores diferentes! Essa também é a ideia por trás do Índice de Progresso Social de Michael Green. O IPS é medido de formas distintas para que tenha o mesmo significado quando se compara países, quando se estuda municípios de uma mesma região, ou comunidades locais.

Saiba mais:

Can we improve the way we measure poverty? The UN’s new poverty index. http://oxfamblogs.org/fp2p/can-we-improve-the-way-we-measure-poverty-the-uns-new-poverty-index/


[1] Podem ser encontradas aqui: http://hdr.undp.org/en/statistics/understanding/indices/hpi

[2] Problema conhecido em metodologia como “operacionalização”.

[3] SANTOS, Maria Emma; ALKIRE, Sabina. Training Material for Producing National Human Development Reports: The Multidimensional Poverty Index (MPI). 2010.

Minha Casa Minha Vida, 6 anos depois

Depois de seis anos do lançamento do Minha Casa Minha Vida, programa de subsídio à construção de casas para famílias de baixa renda, as primeiras avaliações começaram a ser publicadas. No mês de abril o LabCidade (FAU/USP) divulgou avaliação dos empreendimentos de São Paulo e o Observatório das Metrópoles (Órgão do INCT), dos empreendimentos no Rio de Janeiro.

Os estudos revelaram dinâmicas particulares de cada localidade, das quais destacaremos aqui duas: por quê integrantes da faixa de renda inferior do Programa se inscrevem para imóveis destinados à faixa intermediária, e as lógicas espacial e urbana sob as quais os empreendimentos foram realizados.

Com o objetivo de dar a famílias de baixa renda acesso à casa própria, o Programa estabeleceu, desde o início, as faixas de renda e o número de unidades que seriam construídas para cada uma. Seria uma forma de garantir que o investimento social chegasse ao público desejado.

Dentre as três faixas existentes[1], a avaliação do Minha Casa Minha Vida no Rio de Janeiro mostrou que os interessados no programa que se encaixavam na Faixa 1 —e que deveriam contribuir com R$ 50 mensais, um pagamento simbólico haja vista a previsão de subsídio integral a esse público— começaram a buscar o Programa por meio do financiamento disponível para a Faixa 2, ou seja, abrindo mão do subsídio “integral” por um subsídio parcial (contribuição superior a R$ 50 mensais) na futura moradia.

Ao investigar os motivos dessa prática, a hipótese que mais pareceu se adequar à realidade entendeu que famílias da Faixa 1 que têm vínculo salarial estável e possivelmente com uma poupança prévia, buscaram uma solução mais rápida para a obtenção do imóvel que os procedimentos que envolvem os que estão na Faixa 1, isto é: cadastro municipal, critérios de prioridade e sorteio. Ao buscar a Faixa 2, mesmo sendo Faixa 1, famílias que têm o orçamento pressionado pelo aluguel ou são de moradias precárias e em áreas vulneráveis pareciam ter encontrado uma estratégia interessante para acelerar a obtenção da casa própria.

As avaliações também buscaram entender a inserção urbana dos empreendimentos, estudando sob quais lógicas sócio-espaciais foram alocados. Ao analisar este fenômeno em quatro diferentes escalas (regional, municipal, do empreendimento e da unidade habitacional) e três dinâmicas distintas (grau de proximidade ou distância dos centros, acesso a equipamentos e serviços e avaliação de mobilidade), os estudos feitos no Rio de Janeiro e São Paulo identificaram que os empreendimentos da Faixa 1 encontram-se majoritariamente em áreas periféricas, enquanto os conjuntos habitacionais da Faixa 3 são os que mais se aproximam dos centros urbanos e, portanto, áreas com maior acesso a equipamentos e serviços. O mapa abaixo, extraído do documento “Ferramentas para Avaliação da Inserção Urbana dos Empreendimentos MCMV”, revela a localização das unidades habitacionais Faixa 1 em relação à densidade dos postos de emprego no município de São Paulo.

Densidade de postos de empregos no município de São Paulo e empreendimentos da Faixa 1

Foram encontrados ainda problemas relacionados à habitabilidade —nem todos os empreendimentos adequam-se às diferentes composições e tamanhos familiares; aos custos inerentes à moradia —são maiores que os valores das prestações e, portanto, ainda caros para a baixa renda; e dificuldades de adequação ao uso —a reprodução de um modelo construtivo que desconsidera diversidades regionais.

O programa tem-se mostrado bem-sucedido no que concerne a segurança da posse do imóvel, desde que quitadas as parcelas. Além disso, as famílias em condições de vulnerabilidade, sem acesso a saneamento básico e moradia segura foram priorizadas no atendimento.

Como já mencionado em post aqui no blog,  essas condições territoriais —ou o “efeito território” de estar inserido em áreas de vulnerabilidade social e distante dos centros de uma metrópole— implicam na reprodução social das condições de vida a ponto de impactar na renda futura das pessoas que lá crescem.

As avaliações do Minha Casa Minha Vida abordam ainda uma série de outros aspectos, como a inserção urbana dos empreendimentos, além de impactos na vida dos beneficiários. Ambos estão disponíveis em *.pdf nos links:

Rio de Janeiro:
http://www.observatoriodasmetropoles.net/images/abook_file/relatorio_mcmv_rj_2015.pdf

São Paulo:
http://www.labcidade.fau.usp.br/arquivos/relat%C3%B3rio.pdf


[1] Faixa 1 : renda familiar mensal até R$ 1.600,00 ; Faixa 2 : renda familiar mensal até R$ 3.275,00; Faixa 3: renda familiar mensal até R$ 5.000,00. As faixas para a zona rural são anuais: Faixa 1 até R$ 15.000,00 ; Faixa 2 até R$ 30.000,00 e Faixa 3 até R$ 60.000,00.

Cadastramento de famílias para projetos de urbanização e reassentamento: uma linha de base?

Como já escrevemos a respeito aqui no Blog, a Plan cadastrou domicílios em Santo André e São Bernardo do Campo, e o resultado foi uma grande “fotografia” das áreas de habitação de interesse social nesses municípios. As informações coletadas neste tipo de pesquisa incluem desde as estruturas das edificações, as infraestruturas públicas até dados para se traçar um perfil das famílias residentes, tais como renda individual e domiciliar, grau de escolaridade, faixa etária, cor/raça, situação ocupacional e ocupações, tempo de desemprego, população gestante, entre outras.

A prática do cadastramento é prevista em lei e deve ser feita antes da elaboração de quaisquer projetos de intervenção de melhorias urbanas ou mesmo de regularização da ocupação dos imóveis nessas áreas. É também uma maneira de tomar conhecimento das principais demandas de infraestrutura e carências sociais locais. Mas será que o cadastramento poderia ser utilizado, para além do projeto de intervenção, também como uma linha de base de avaliação?

Idealmente, uma avaliação recorre a uma linha de base (situação inicial dos indicadores) para medir os impactos dos projetos realizados. No caso do cadastramento, o instrumento utilizado permitia que o morador indicasse problemas, melhorias recentes e expectativas do projeto a ser implementado. Desta forma, e supondo que o cadastramento cumpra o papel da linha de base, o mesmo instrumento de pesquisa seria reaplicado à população residente a fim de contrastar carências percebidas e soluções implantadas.

Seria possível também, a partir das informações sobre o perfil das famílias, ver se houve impacto social e econômico do projeto?

Tomando o cadastramento por linha de base, uma maneira de mensurar este impacto seria avaliar, por exemplo, não só se a renda domiciliar aumentou, mas também se se tornou mais compatível com as despesas do domicílio alegadas pelo morador – uma vez que por vezes não o é. Além disso, nas áreas vulneráveis em que os cadastramentos são realizados há muitos casos de rendas secundárias como benefícios de distribuição de renda. Verificar a parcela da população em que esta renda é essencial ao orçamento domiciliar e fazer ainda cruzamentos sobre o índice e o tempo de desemprego e frequência escolar seriam outras possibilidades em uma avaliação.

A princípio, o cadastramento pode oferecer sim muitos elementos para que se comporte como linha de base, mas ainda há limitações. Há que se ponderar a ausência de um grupo de controle nesta pesquisa. O grupo de controle permitiria uma comparação entre uma parte dos cadastrados que estavam em área atingida pelo projeto e uma parte que não estava. Dado que o público que não será beneficiado pela intervenção urbana também não é cadastrado, não é possível comparação mencionada e medir, realmente, os impactos das ações realizadas; entretanto, como há obras que são realizadas em etapas, essa comparação poderia ser feita num ponto intermediário da execução.

Trabalhando no campo, em plena metrópole

Nos últimos meses a Plan executou diversos trabalhos que exigiram visitas a campo. Pesquisas quanti e qualitativas realizadas com aplicação de questionários padronizados, entrevistas, grupos focais e até com a teoria dos jogos.

Este post mostra um pouco dos processos pelos quais passam nossas equipes de pesquisa que trabalham na Região Metropolitana de São Paulo fazendo selagem e cadastramento de famílias em áreas ocupadas de forma precária e/ou irregular.

A selagem envolve a localização de um edifício na planta e seu registro sob um código único. Esse código é chamado de “selo” pois é comum que seja afixado na fachada da casa com um autocolante.

O cadastramento é a coleta de informações demográficas, sociais e econômicas das famílias para que posteriormente recebam algum atendimento habitacional —regularização fundiária, reforma, infra-estrutura de saneamento, reassentamento temporário ou permanente.

O trabalho exige uma série de preparativos. De início, é de extrema importância que todos os moradores sejam previamente comunicados pelo poder público sobre o processo que será iniciado, e que assistentes sociais deem plantão na área para prestar esclarecimentos às famílias.

Uma vez que os moradores sabem do trabalho a ser realizado pela equipe de campo, esta precisa estar munida de diferentes recursos para que os dados produzidos e coletados sejam compatíveis. O primeiro recurso é o Mapa de Selagem.

Produzimos os dados de identificação do domicílio a partir de um mapa topográfico previamente elaborado por uma equipe especializada. Mapa topográfico e selos fundem-se no que chamaremos de Mapa de Selagem. O trabalho da selagem começa antes do cadastramento e, em condições ideais, é finalizado ainda antes do início da aplicação de questionários.

Orientados pela localização dos domicílios, os pesquisadores iniciam a aplicação de questionários. O instrumento usado pelos cadastradores da Plan é digital: um tablet que registra fotos e localização por GPS do domicílio cadastrado e envia as informações coletadas diretamente para um servidor.

Por meio dessa tecnologia, o trabalho tem sido realizado de maneira mais ágil e com maior confiabilidade. Com as fotos integradas ao cadastro evita-se que haja erros de associação entre famílias e domicílios; com os verificadores automáticos de consistência, aumenta a confiabilidade das informações; por meio do GPS, comprova-se os locais visitados pelo pesquisador e os horários das visitas, aumentando a transparência do processo tanto para moradores como para o poder público.