Onde estão os avaliadores brasileiros?

Não há avaliadores no Brasil.

Foi a conclusão que levei do último congresso da Rede Brasileira de Monitoramento e Avaliação, ocorrido na Unicamp, em Campinas-SP, de 25 a 27 de setembro. Não é dizer que não haja pessoas que desempenham projetos de avaliação em suas diversas manifestações. Também não quer dizer que não existam funcionários públicos, diretores de responsabilidade social empresarial, e ongueiros comissionando trabalhos que engajam os anéis reflexivos dentro das organizações, apoiados pelas metodologias das ciências sociais. Mas a identidade do campo, da prática e dos profissionais é atomizada, dispersa entre inúmeros outros nomes.

Uma rosa por outro nome…?

Bem, acredito que a avaliação, como conceito, é tão natural quanto necessária. Parafraseando Mark, Greene, e Shaw, “talvez julgar coisas de forma avaliativa é ainda mais básico [na psicologia humana] que dar sentido ao mundo descritivamente.” Após algumas páginas afirmam: “se você pedir a 10 avaliadores que definam a avaliação, vai ouvir 23 definições diferentes”. (SAGE Handbook of Evaluation, 2006) O fato de a atividade da avaliação ser intrinsecamente enraizada na prática a meu ver exige criatividade e flexibilidade saudáveis do profissional. Quanto mais vinculado com a realidade quotidiana dos projetos sociais, menos risco de se tornar uma coisa rígida e monoteórica. Kuhn se referia aos campos das “ciências maduras”, mas serve como uma ótima prefiguração do que pode acontecer se fosse arrancado desses ambientes:

“vamos finalmente descrever a pesquisa como uma tentativa vigorosa e dedicada de forçar [a coisa pesquisada] nas caixas conceituais fornecidas pela educação profissional.” (tradução minha)

Quer dizer que a atividade de avaliar vai ocorrer de uma forma ou de outra, mas reunir um núcleo de pessoas que se identificam como avaliadores profissionais é uma tarefa difícil.

A tarefa da RBMA é então ultra delicada: construir uma nova comunidade, o esqueleto de uma nova disciplina no país, unida, mas não tão unida. Este desafio vem com enormes responsabilidades, principalmente a articulação da identidade profissional do avaliador.

A profissão do avaliador

O caminho que leva a uma comunidade avaliativa brasileira robusta e vivaz será calçado com passos concretos. Acho que foi isso que respaldava a pergunta de Martha McGuire durante o evento:

—O site da RBMA tem uma listagem de avaliadores?

Não tem.

Outro desalinhamento sutil de destaque: quantos participantes do seminário foram convidados para um outro congresso internacional especificamente sobre a criação de comunidades nacionais de avaliação…EM SÂO PAULO…TRÊS DIAS APÓS O EVENTO DA RBMA? Quantos ao menos estavam cientes que ocorreria? Por que separar os dois eventos para começar, se os interesses dos envolvidos são tão otimamente alinhados? Ok, havia discussões online prévias à conferência, e talvez foi por questões logísticas que tiveram de ser separados. Mas é um precedente desvantajoso para quem está procurando fortalecer e unificar. A American Evaluation Association já conta com mais de 4.000 membros, e os representantes da Fundação Ford, da USAID, e da Western Michigan University (único doutorado de avaliação oferecido nos E.U.A.) participam no mesmo nível e respondem aos mesmos processos seletivos que o resto dos membros. Visto a identidade já fraca e dispersa do avaliador brasileiro, não é o momento de enviar mensagens de exclusividade.

Olhando para frente, estou otimista. A RBMA está fazendo um trabalho difícil, nobre, e de altíssimo valor. Mas para que a avaliação como entidade orgulhosa e independente floresça, objetivo com que acho que todos as participantes na rede estão de acordo, o diabo está nos detalhes.

A Agenda de Resultados – Parte I: Brasil

Em abril tive a sorte de visitar Brighton, no Reino Unido, para o congresso do Big Push Forward, um núcleo de acadêmicos, líderes de ONGs internacionais e avaliadores profissionais preocupados com o que chamam de Agenda de Resultados (Results Agenda) no âmbito da avaliação. Para participar da conferência foi necessário compartilhar uma “experiência” pessoal da Agenda de Resultados. Naturalmente, compartilhei minhas impressões (incipientes) sobre  a falta dessa agenda no cenário brasileiro:

Minhas experiências quotidianas no Brasil continuamente me fazem pensar como a Agenda de Resultados é  incompatível com a cultura da nação. A incompatibilidade geral certamente se entrelaça causalmente com a falta da presença da Agenda no cenário nacional. Eu, com a minha herança do ‘Norte Global’, também sinto a falta do que chamaria uma ‘cultura de avaliação’. Não sou antropólogo, mas enxergo que a cultura brasileira tem um jeito distinto de atribuir  responsabilidades, discutir objetivos e criticar, que eu estou constantemente aprendendo. Minha empresa trabalha com contratos públicos, fundações privadas e ONGs. Nenhuma vez ouvi um cliente perguntar sobre um ensaio clínico aleatorizado. Projetos quantitativos são escassos. Treinamento quantitativo é concentrado numas poucas instituições. Neste sentido, a empresa tem suas razões, por exemplo, para introduzir/enfatizar a ideia de um grupo de controle aos clientes novos. Eu concordo com o nosso meta-objetivo de instilar uma mentalidade mais orientada aos resultados [de programas sociais]. A questão é se eu posso articular de forma convincente como esta mensagem pode se modificar, em condições erradas, na ‘Agenda de Resultados’ (com suas conotações pejorativas).

No momento, o campo brasileiro de monitoramento e avaliação é pequeno, mas seus membros são sérios, bem treinados em geral, e altamente profissionais – daí o setor estar pronto para um crescimento enorme. Como vêm duma nação que foi por muito tempo economicamente isolada , uma líder regional, e um ator global importante, os brasileiros parecem seletivos em relação a ideias importadas [ideologicamente]. Ou seja, o Brasil pode ser um dos lugares mais importantes no mundo para o desenvolvimento da cultura e da prática da avaliação no futuro. Finalmente, o momento é AGORA, no começo, no momento em que as borboletas têm potencial máximo de gerar furacões.

(traduzido do inglês)

São as minhas observações informais, feitas sem consultar a ninguém, e certamente enviesadas pelas particularidades de minha posição e história pessoais. Será que servem para gerar uma discussão crítica com vocês, caros leitores?

Qual é o caminho que uma pessoa segue para entrar neste setor? Como se destaca- dos demais?

Como se posiciona o setor brasileiro de M&A em relação a  setores, escolas de pensamento e discussões internacionais? Latino-americanos? Norte-americanos? Quais são as suas particularidades?

Deixo aberto – quais são as suas opiniões?