Como são formuladas as agendas governamentais e a influência dos estudos avaliativos sobre esse processo

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O ciclo de políticas públicas é uma maneira de simplificar o entendimento sobre a formulação de políticas públicas (policy-making) por meio de um processo inter-relacionado composto de 5 fases: definição da agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação/monitoramento.

O ciclo, apesar de útil para reconhecer as fases, não representa linearidade entre elas, uma vez que as fases podem se sobrepor, ou mesmo terem sua ordem alterada. Como exemplo, podemos pensar que durante o processo de formação da agenda (agenda-setting) para que o formulador possa identificar um problema, ele pode fazer uso de pesquisas avaliativas já realizadas, ou mesmo encomendar uma pesquisa diagnóstica para identificação de problemas.

Pensando do ponto de vista da teoria de Múltiplos Fluxos (Kingdon, 2013) o processo de formulação da agenda é composto por três fluxos, os quais são responsáveis pela inserção de um tema/problema na agenda pública. Estes fluxos são: fluxo de problemas, fluxo de soluções e fluxo político, além destas outras variáveis também são consideradas neste processo: a identificação de uma janela de oportunidade e a atuação dos empreendedores de políticas.

Imagem 1 – O Modelo de Múltiplos Fluxos

Autor: Capella (2007, p.32)

A compreensão sobre o fluxo de problemas é essencial para entender porque alguns problemas são relevantes para os formuladores e conseguem adentrar a agenda, enquanto outros não. A teoria dos Múltiplos Fluxos auxilia na compreensão deste processo de escolha.

É o primeiro fluxo, o fluxo de problemas, que delimita a diferença conceitual entre uma questão e um problema. Existem inúmeras questões, mas apenas aquelas que chamam a atenção dos formuladores, e que são consideradas por eles como questões passíveis de serem resolvidas, podem ser consideradas problemas dentro deste modelo. Portanto o mais importante, em um primeiro momento, é que a questão seja notada e por fim considerada um problema.

O reconhecimento técnico de uma questão como um problema, é feito através de: i) identificação de crises (momento em que a mídia desempenha papel importante); ii)análise de indicadores; iii) feedbacks da ação governamental.

O reconhecimento de crises, análise de indicadores, reconhecimento de eventos focalizadores e feedbacks da ação governamental (fatores que compõem o fluxo de problemas) podem ser reconhecidos pelos formuladores através de diagnósticos setoriais, relatórios de avaliação de políticas públicas ou mesmo em estudos encomendados para esta finalidade. Podemos reconhecer neste momento, através da teoria de Kingdon, a importância das pesquisas avaliativas dentro do processo de formulação da agenda.

Os diagnósticos setoriais, por exemplo, são instrumentos amplamente utilizados no processo de reconhecimento de um fluxo de problemas. O formulador pode se utilizar dos diagnósticos de Planos Municipais Setoriais como forma de mapear este fluxo.  Um diagnóstico municipal sobre a situação da Criança e do Adolescente, por exemplo, pode chamar a atenção do governo e de empreendedores de políticas em diversos setores, como educação, saúde, assistência social, cultura, e iniciar o processo que dá origem à novas propostas de ações governamentais voltadas para o bem estar e a garantia dos Direitos das Crianças e Adolescentes.

Um exemplo de estudo específico para identificação de problema durante a formulação da agenda é a Avaliação de Impacto Legislativo (AIL). Ao propor uma nova política pública no legislativo, a AIL deve demonstrar o fluxo de problemas que levou à proposição de uma nova política. O projeto de Lei para implementar a obrigatoriedade da Análise do Impacto Legislativo (AIL) – já apresentado neste post – propõe que para a criação de uma lei, que institua uma nova política pública, o fluxo de problemas deve ser demonstrado em uma avaliação de impacto, na qual obrigatoriamente deve conter uma síntese qualitativa e quantitativa do problema ou da situação que reclama providências.

Outra possibilidade de identificação do fluxo de problemas é se utilizar de avaliações de políticas públicas (feedbacks governamentais) que tenham identificado dentro dos seus resultados a possibilidade de ação futura sobre outras questões não contempladas pela política avaliada, reconhecendo-as como novos problemas públicos.  

A demonstração do fluxo de problemas a partir de uma avaliação específica, ou de outras avaliações/diagnósticos secundários legitimam a necessidade de ação sobre uma questão, dando embasamento empírico e teórico para o momento da tomada de decisão.  Uma vez que algum instrumento avaliativo possibilita o reconhecimento de uma questão como problema, ele viabiliza o primeiro passo de construção da agenda.

A partir desta análise é possível compreender como estudos avaliativos e diagnósticos de políticas públicas, se alinhados e comprometidos com o interesse público, quando consultados durante o processo de formulação da agenda, podem e devem influenciar positivamente na inclusão de temas socialmente relevantes na agenda do governo.

Referências

KINGDON. Agendas, Alternatives, and Public Policies, Updated Edition, with an Epilogue on Health Care’-Pearson, 2ND Edition, Ed. Pearson, 2013 (Original – 1984) .

CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G. et al. (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 87-121 Disponível em: <https://perguntasaopo.files.wordpress.com/2012/02/capella_2006_perspectivas-tec3b3ricas-sobre-o-processo-de-formulac3a7c3a3o-de-polc3adticas-pc3bablicas.pdf >

Avaliação de Impacto Legislativo – O Projeto de Lei nº 488/2017

Recentemente, em abril/2018, o Senado aprovou o projeto de lei nº 488/2017, que pretende implementar a Avaliação de Impacto Legislativo (AIL) como requisito obrigatório na aprovação de matérias legislativas que instituam novas políticas públicas. Ou seja, toda proposição de política pública deve vir acompanhada de uma prévia avaliação de seu impacto para o governo e para sociedade.

O propósito da avaliação de impacto legislativo é verificar os impactos da aplicação de uma legislação, tanto do ponto de vista econômico e financeiro quanto do ponto de vista social.  Meneguin (2010, p.7) em um texto publicado pela revista do Senado em 2010 explicita que o principal objetivo desta avaliação é verificar sua eficácia, efetividade e eficiência. Ela deve apurar se o comportamento dos destinatários da norma é adequado, se a maneira como o texto está formulado concorre para que os objetivos sejam alcançados, e se os benefícios decorrentes da lei compensarão os custos que acarretará.

O Projeto Lei nº 488/2017, em seu artigo 14-C explicita que a AIL deverá contar com um parecer sobre a constitucionalidade, a juridicidade e a regularidade do ato normativo, bem como com notas explicativas que demonstrem a economicidade, a efetividade, a eficácia e a eficiência das medidas do projeto.

Estas notas explicativas consistem na Avaliação e Impacto Legislativo, que, se aprovada, deverá conter:

  • Síntese qualitativa e quantitativa do problema ou da situação que reclama providências;
  • Objetivos da proposição e sua vinculação com o problema definido;
  • Alternativas existentes para a solução do problema identificado, com respectiva previsão dos impactos econômicos e sociais, justificando a escolha da solução ou providência contida no projeto proposto, com comparação das análises de custo-benefício global de cada alternativa;
  • Custos administrativos da solução ou providência contida no projeto proposto, caso a alternativa estabelecida na proposição entre em vigor;
  • Indicação da existência de prévia dotação orçamentária ou a fonte de recursos, quando a proposta demandar despesas, e como a ação está enquadrada no Plano Plurianual vigente.

Meneguin (2010) afirma que a AIL vai além da análise jurídica e orçamentária que eram feitas mais comumente, sendo inovadora ao propor a análise econômica e social, além da mensuração dos custos administrativos da solução que irá se desdobrar em uma política pública.

O ato de avaliar um projeto de lei antes mesmo de sua aprovação (ou seja, prospectivamente) considera os efeitos que esta provavelmente produzirá, bem como consequências inesperadas pelo legislador. Assim é possível corrigir possíveis falhas do projeto e simular cenários alternativos àqueles considerados pelos deputados e senadores.

Com a AIL a decisão política tende a ficar mais transparente e embasada em dados reais do impacto do projeto. Para tanto é necessário que a avaliação ocorra de maneira imparcial e transparente.

Um dos argumentos relativos à importância da aplicação da AIL é de que ela facilitaria e embasaria a aprovação de políticas públicas, e até mesmo facilitaria a aprovação de medidas impopulares, que através da AIL conseguissem se mostrar viáveis e necessárias.

Além de uma ferramenta de avaliação, o PL 488/2017 pode ser considerado estrategicamente como um instrumento de inserção de temas na agenda do poder legislativo. Um projeto de lei avaliado a priori pode ter suas chances de aprovação ampliadas, uma vez que terá material para demonstrar sua relevância e seu impacto para o país.

O Projeto de Lei 488/2017 aguarda votação na Câmara dos Deputados, sem data definida e pode ser acessado pelo link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131852

Uma boa maneira de demonstrar sua importância seria realizar uma análise de seu impacto legislativo. Será que os legisladores se animam a dar o exemplo? Vamos aguardar.

Projeto de Lei do Senado n° 488, de 2017 (complementar), disponível em <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/182499>

Meneguin, Fernando Boarato, Avaliação de Impacto Legislativo no Brasil, Brasília : Senado Federal, Consultoria Legislativa 03/2010 25 p., disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131852>