Na última semana a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República divulgou o balanço anual de denúncias recebidas pelo Disque 100 em 2015 (http://www.disque100.gov.br/). Entre 2014 e 2015, houve um aumento de 2% no número total de denúncias de violações de direitos humanos. Considerando-se apenas a violência cometida contra a população LGBT, o número de denúncias no mesmo período cresceu 94%; discriminação, violência psicológica e violência física estão entre os tipos mais recorrentes de violações sofridas por esse grupo1.
De acordo com a SDH, apesar do aumento, o encaminhamento dessas denúncias ainda é um problema devido à ausência de um marco legal que puna crimes cometidos em razão da orientação sexual e da identidade de gênero. Diante disso, casos de discriminação raramente são punidos e episódios de violência são julgados como crimes comuns, o que não contribui para desestimular esse tipo de conduta perversa praticada contra a população LGBT.
Levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia identificou que a cada 27 horas uma pessoa foi assassinada em decorrência de sua identidade de gênero ou orientação sexual em 20152. De acordo com o monitoramento realizado pela Transgender Europe3, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo; nos últimos 7 anos, o país liderou o ranking com 689 casos — a título de comparação, o segundo colocado, México, com seus 122 milhões de habitantes, reportou 194 homicídios de travestis e transexuais no mesmo período; o terceiro colocado, Estado Unidos, com uma população de 316 milhões de habitantes, reportou 108. É preciso considerar que diante da ausência de legislação específica para a criminalização desse tipo de violência, ambos os estudos foram baseados em notícias veiculadas pela mídia e entrevistas com familiares de vítimas e, portanto, é provável que o número de crimes cometidos contra homossexuais e transexuais seja ainda maior.
Além de homicídios, a discriminação também causa danos emocionais, econômicos e sociais. Vídeo divulgado pela ONU em dezembro de 2015 (https://www.youtube.com/watch?v=DvSxLHpyFOk) traz uma compilação de dados e estudos abordando o impacto da homotransfobia tanto nos indivíduos que a sofrem como na sociedade na qual estão inseridos. De acordo com os dados trazidos pela organização, abandono escolar, desemprego, pobreza e depressão são problemas comuns à população LGBT decorrentes da discriminação.
Estudo conduzido no Reino Unido em 2014, intitulado Youth Chances, concluiu que dos jovens LGBT entrevistados (i)42% utilizavam medicamentos para ansiedade ou depressão; (ii) 52% já se automutilaram; e (iii) 44% já consideraram suicídio – a título de comparação, entre a população geral esse percentual é de 21%4.
Pesquisa divulgada pela Human Rights Campaign demonstrou que 40% dos moradores de rua jovens dos EUA são LGBT e estão em situação de rua porque fugiram de casa ou foram expulsos pelas famílias, sendo que em ambos os casos o motivo foi discriminação relacionada à identidade de gênero ou opção sexual5.
Estudo conduzido pelo Williams Institute — UCLA com apoio da USAID envolvendo 39 países identificou que a população LGBT comumente (i) é alvo de prisões injustificadas e violência policial; (ii) é acometida por taxas desproporcionais de violência física, emocional e estrutural; (iii) sofre discriminação para encontrar trabalho, especialmente formal e/ou bem remunerado; (iv) encontra múltiplas barreiras para acesso à saúde física e mental; e (v) sofre discriminação nas escolas impetrada por professores e outros estudantes. Esses fatores afetam de forma significativa o potencial humano, social e econômico desses indivíduos6.
Conforme Charles Radcliffe, sênior human rights advisor para o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero não fere apenas as pessoas que a sofrem, mas também o setor privado e a economia de um país7. De acordo com o vídeo da ONU acima mencionado, e com base nos estudos aqui citados, os efeitos da discriminação fazem com que as empresas percam talentos, criatividade e produtividade. Já o estado, além de ter que gastar mais com saúde e seguridade social para reparar os danos da discriminação, deixa de arrecadar receitas que poderiam ser investidas em outras áreas, tais como educação, infraestrutura e geração de emprego.
Corroborando esse entendimento, estudo realizado pelo Banco Mundial em 2014 foi capaz de relacionar os efeitos da discriminação contra a população LGBT e a exclusão desse grupo do mercado de trabalho com o desenvolvimento econômico, concluindo que a discriminação contra homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis pode causar uma perda de até 32 bilhões de dólares na economia do país8.
O estudo realizado pelo Williams Institute acima mencionado identificou, por sua vez, clara correlação entre promoção e garantia de direitos à população LGBT e o aumento do IDH e do PIB per capita de um país. Segundo os pesquisadores, a simples adoção de leis antidiscriminatórias já são suficientes para contribuir com o aumento da renda e do bem-estar da população.
Diante do exposto, o impacto da homofobia e da transfobia na vida de um indivíduo e em toda uma sociedade produz graves consequências que não podem continuar sendo ignoradas. Políticas e programas precisam ser desenvolvidos para que haja o enfrentamento da discriminação e da violência contra a população LGBT e, consequentemente, a redução de seus efeitos negativos, tais como homicídios, suicídios, desemprego e pobreza.
No Brasil, apesar de os movimentos sociais já terem percebido a importância desse tipo de intervenção, ainda há muito a se avançar na promoção e garantia de direitos LGBT. Se por um lado tivemos avanços, como o casamento homoafetivo, por outro há retrocessos e resistências baseados numa visão mais tradicional da família e da sexualidade, tais como o a aprovação do PL nº 6.583/2013 — estatuto da família — na Comissão Especial da Câmara, a exclusão de referências sobre identidade de gênero, diversidade e orientação sexual nos planos estaduais de educação e, ainda, o novo arquivamento do PL nº 122/2006 que criminaliza a homofobia no Senado. O que tiramos disso é que enquanto os costumes tiverem peso maior que as evidências, a população LGBT e outros grupos minoritários continuarão a sofrer violência, discriminação e privações evitáveis.
Referências:
1 http://www.sdh.gov.br/noticias/2016/janeiro/ApresentaoDisque100.pdf
2 http://pt.calameo.com/read/0046502188e8a65b8c3e2
3 http://www.transrespect-transphobia.org/uploads/downloads/2015/TMM-IDAHOT2015/TMM-PR-IDAHOT2015-en.pdf
4 http://www.youthchances.org/wp-content/uploads/2014/01/YC_REPORT_FirstFindings_2014.pdf
5 http://www.hrc.org/resources/lgbt-youth-homelessness
6 http://williamsinstitute.law.ucla.edu/wp-content/uploads/lgbt-inclusion-and-development-november-2014.pdf
7 http://www.huffingtonpost.com/charles-radcliffe/wrecked-lives-corporate-l_b_8713036.html
8 http://goo.gl/ufKW0S