Corrupção vs. Instituições

Semana passada a coluna publicada por Monica de Bolle, economista que admiro muito e escreve semanalmente para o Estadão, comentou sobre um livro publicado por Daron Acemoglu e James Robinson chamado Why Nations Fail: The Origin of Power, Prosperity, and Poverty. O livro fala sobre a importância das instituições no contexto da distribuição de recursos dos países.

Aproveitando a deixa da Professora de Bolle e do momento de crise política que estamos passando, resolvi dedicar esse post do blog para comentar também sobre o quanto instituições fortes são essenciais para o crescimento.

Em um artigo chamado Reversal of Fortune: Geography and Institutions in the Making of the Modern World Distribution, Acemoglu discute em primeiro lugar o que ele chama de “geographic hypothesis”, que busca relacionar os padrões de produtividade e prosperidade econômica com aspectos da geografia e clima de cada país.

Rebatendo essa hipótese, Acemoglu defende a “institutions hypothesis”, explicando que o processo de colonização europeia causou grande mudanças na organização social de várias comunidades ou civilizações. De acordo com o autor, locais prósperos e com atividades econômicas complexas, como os Incas ou Astecas, sofreram um processo de reversão institucional depois que os europeus introduziram instituições extrativistas. Acemoglu mostra que, além das mudanças econômicas causadas pelas transformações institucionais por volta de 1500, a qualidade das instituições passou a ter ainda mais importância quando surgiram novas tecnologias que necessitavam investimentos de vários setores e áreas sociais. O autor considera que as instituições de qualidade políticas, econômicas e sociais, garantem o direto de propriedade de toda sociedade e a segurança dos investimentos, ao contrário da presença das instituições extrativistas, que fazem com que parte da população esteja sujeita a uma elite governante, riscos de expropriação, etc.

Para confirmar a “institutions hypothesis”, Acemoglu usou dados de urbanização, densidade populacional além de variáveis relacionadas a instituições como um índice de riscos de expropriação por parte do governo e uma proxy relacionada à concentração de poder político.  Ele conclui que essa reversão institucional ocorrida em alguns países foi o que causou a mudança nos padrões de renda.

Aplicando os resultados desse estudo para o nosso contexto, a corrupção – cada vez mais em evidência – não somente compromete a economia por subtrair diretamente dinheiro público, mas também compromete o crescimento do Brasil por fragilizar as instituições. Um dos fatores causadores disso, segundo Acemoglu, é a herança que nos foi deixada com a colonização portuguesa. Por isso, como a própria Monica de Bolle colocou em sua coluna, é preocupante atropelar projetos no Congresso, como a Reforma da Previdência, em um momento em que as instituições políticas estão tão enfraquecidas. O mais importante agora é realizar reformas que fortaleçam as instituições, a começar pela reforma do sistema político-eleitoral.

Tia, entendeu ou quer que eu desenhe?

Para aqueles que acompanham o trabalho da Plan não deve ser novidade o fato de que nós avaliamos projetos que tratam de vários temas e envolvem públicos bastante diversificados. A lista de perfis profissionais que participaram dos nossos trabalhos de campo já incluiu: empresários, trabalhadores de chão de fábrica, pequenos agricultores, proprietários de grandes fazendas, coordenadores de projetos sociais, beneficiários desses projetos e por aí vai.

Além da diversidade de posições ocupacionais e estratos de renda, as idades também são muito variadas e incluem até crianças. Já trabalhamos com projetos cujos beneficiários estão cursando o Ensino Infantil (até 6 anos de idade) e crianças que estão atravessando esse processo tão crítico que é a alfabetização (1º ano do Ensino Fundamental).

Quando as crianças são justamente o centro de um projeto, como podemos envolvê-las no trabalho de campo? Como entrevistar essas pessoas que estão desenvolvendo as diversas formas de se expressar?

Orientados por nossa consultora e educadora Gisela Wajskop, que se inspirou em estudos da Sociologia da Infância (Pinto & Sarmento, 1997, 1999; Corsaro, 2011), realizamos conversas em grupo (“grupos focais”) com crianças utilizando técnicas de observação seguidas de atividades de desenho. As crianças utilizam formas específicas de representação e simbolização do mundo que ultrapassam os limites da linguagem codificada em fala e texto. Se quisermos entender o que pensam e lhes darmos voz, o discurso adulto de perguntas e respostas estruturadas pode não ser o meio mais eficaz. As conversas com crianças requerem uma abordagem própria, ajustada a sua visão de mundo curiosa, especulativa, aberta, imagética, daí a opção pela utilização do recurso visual.

Os desenhos são meios riquíssimos de comunicação que podem incluir não somente objetos, mas também movimentos, sons e sentimentos. Ao tentar representar pessoas ou lugares, por exemplo, as crianças desenham o que elas sabem, ou seja, elas mostram uma versão do que elas veem. Ainda que enfrentem dificuldades para incluir em seus desenhos técnicas mais regradas, como a perspectiva, elas inventam soluções para representar objetos com três dimensões (Anning, 1997). Essas soluções não são imediatamente perceptíveis para o adulto treinado na convenção mas fazem pleno sentido quando descritas pelas próprias crianças. Em um mundo dominado pela linguagem padronizada e normatizada, as crianças entram em um território muito mais livre ao trabalhar com materiais de linguagem expressiva, como papel, lápis, giz de cera ou até massinha de modelar.

O desenho acima mostra o entendimento de um aluno de 7 anos sobre um aplicativo de apoio ao letramento utilizado por sua turma. A primeira versão desse aplicativo contava a história do Motogato, um entregador de pizzas que era ajudado por seu chefe, o Sr. Cachorrão, para escrever o endereço dos seus clientes. A criança destaca a expressão angustiada do Motogato tentando navegar pelo universo urbano congestionado chegando corretamente ao seu destino com as informações que lhe são passadas —lugar semelhante ao do próprio aluno face ao desafio de dominar o código da escrita no processo de alfabetização.

Já a ilustração abaixo, criada por uma aluna de 5 anos, reconta simbolicamente a história narrada no livro “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado. No desenho, a aluna fundiu na mesma representação as características da protagonista do livro e também do coelho, a outra personagem, que não só se apaixona por ela mas quer poder ser como ela.

Elaborado durante a mesma atividade de leitura do livro “Menina Bonita do Laço de Fita”, o desenho abaixo chama a atenção para o direcionamento da atenção da criança. Embora não tenha reproduzido elementos que surgiram na história do livro, o aluno mostrou curiosidade e capacidade de observação ao desenhar elementos do ambiente escolar onde estávamos, incluindo até o meu tripé, que usei para apoiar a câmera filmadora e registrar toda a entrevista. Por mais interessante que pudesse lhe parecer o livro, a presença de um pesquisador estranho e seus instrumentos sofisticados de trabalho, totalmente fora de contexto na rotina de uma escola no interior do Ceará, decerto lhe chamou mais a atenção do que a história de um coelho que se apaixonava por uma menina. Não se pode tirar a razão desse menino de querer destacar essa descoberta em seu desenho.

Os desenhos, portanto, ao fazer despertar representações usando formas e cores podem revelar experiências das crianças com os livros e materiais didáticos, por exemplo, ou até mesmo suas opiniões e sentimentos em relação ao ambiente escolar ou familiar. Ademais, a simples observação das crianças ao criarem seus desenhos pode revelar muitas questões ligadas ao seu desenvolvimento. A intimidade com o lápis e giz de cera pode ser índice de habilidades motoras enquanto que o compartilhamento do material e interações entre as crianças durante a atividade também expõem habilidades sociais e emocionais.

Fontes citadas:

ANNING, Angela. Drawing Out Ideas: Graphicacy and Young Children. International Journal of Technology and Design Education 7. p. 219 – 239, 1997.

CORSARO, W. Sociologia da Infância. Porto Alegre: Artmed, 2011

PINTO, M. & SARMENTO, M. J. (Org.). As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando campos. In: As crianças: contexto e identidades. Braga, Portugal: Centro de Estudos da Criança, 1997.

WAJSKOP, Gisela. Linguagem Oral e Brincadeira Letrada nas Creches. Educ. Real., Porto Alegre, 2017.

Balanços de fim de ano

Ao fazer a retrospectiva de 2015, uma das coisas que ficou destacada para mim foi a grande quantidade de métodos possíveis de serem aplicados para avaliar um projeto social ou política pública.

Sempre fui grande defensora e fã de métodos de avaliação econômica: Experimentos Aleatórios (Randomized Controlled Trials – RCT), Diferença em Diferenças (Difference in Differences – DID) e Modelo de Regressão com Descontinuidade (RDD). Inclusive, continuo achando que esses métodos de análise são a forma mais precisa de medir o impacto de uma intervenção social.

Lembrando que, se a intenção é mensurar o impacto de um projeto não há dúvidas de que esses métodos são os melhores pois eles criam uma situação onde dois grupos assumidamente idênticos são comparados após uma intervenção em que apenas um grupo foi beneficiado pelo projeto e o outro não. Assim, é possível simular as perguntas-chave: Como estaria aquela pessoa caso a intervenção não tivesse ocorrido? Quanto a vida daquela pessoa melhorou e em quais e aspectos?

Ocorre que desde a minha chegada aqui na Plan, percebi que outras abordagens de avaliação muitas vezes podem ser mais apropriadas, por questões de escassez de tempo e recursos financeiros ou porque o cliente não está muito interessado em medir o impacto. Neste sentido, um professor de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade de Columbia, Chris Blattman, comentou algo bastante interessante: “suponha que cada estudo realizado seja um poste de luz. Talvez a gente prefira então alguns pequenos postes de luz iluminando o caminho do que o maior poste de luz iluminando somente um ponto”.

De fato, métodos como experimentos aleatórios muitas vezes trazem argumentos extremamente sólidos sobre o porquê e o quanto uma intervenção funciona. Por outro lado, a pergunta que levanto aqui é se esses métodos são sempre os mais apropriados considerando especialmente o que será feito com os resultados levantados pela avaliação.

Sara Nadel e Lant Princhett comentam em um estudo que, do ponto de vista de um aluno de doutorado, por exemplo, o planejamento de uma pesquisa de campo segue basicamente o seguinte processo:

1. Identificar um problema;
2. Estabelecer um modelo que explique as relações causais;
3. Revisar a literatura e identificar uma intervenção que possa resolver o problema em questão;
4. Implementar a intervenção em metade da população-alvo e comparar depois as diferenças entre os dois grupos;
5. Escrever um artigo;
6. Expandir e replicar se os resultados forem positivos.

O planejamento de uma avaliação que realizamos aqui na Plan segue essencialmente os mesmos passos. No entanto, quando um dos objetivos da avaliação não é escrever e publicar uma dissertação, será que não há outros métodos mais apropriados que se adequam mais às necessidades de um órgão público ou instituição social? Será que é por essa razão então que as metodologias aqui mencionadas são realizadas na maioria das vezes no âmbito acadêmico?

Mesmo que esses experimentos econômicos na maioria das vezes sejam bastante rigorosos no que se refere à validade interna, ou seja, estão preocupados se as relações causais observadas pelo estudo estão livres de qualquer viés, a validade externa é talvez igualmente importante: considerar se o projeto pode ser expandido ou replicado em outras populações.

A conclusão então é simples: para cada intervenção há uma forma diferente de se fazer a avaliação. O mais importante antes de tudo é saber o que se pretende fazer com os resultados encontrados e quais são os recursos disponíveis.

Referências:

NADEL, S. PRICHETT, L. “Learning about Program Design With Rugged Fitness Spaces”. Working Paper.

PETERS, J., Langbein, J., ROBERTS, G. “Policy Evaluation, Randomized Controlled Trials, and External Validity – A Systematic Review”. RUHR Economic Papers. Novembro, 2015.

http://chrisblattman.com/

Corrupção: como o monitoramento pode ajudar a reduzi-la?

Tendo em vista o momento de instabilidade política pelo qual estamos passando, achei pertinente falar neste post sobre um tema muito familiar para todos nós: a corrupção. Esse assunto já foi muito discutido em todas as áreas das ciências sociais e os estudos de economia e avaliação não ficam fora disso.

Andrei Shleifer e Robert Vishny, por exemplo, comentam em um artigo que a ilegalidade da corrupção e a necessidade de manter esse ato em segredo faz com que isso ocasione em mais distorções e mais custos do que os impostos.

Além dos modelos teóricos que buscam entender como a corrupção funciona, alguns acadêmicos já se aventuraram em realizar estudos empíricos sobre o tema. Benjamin Olken, por exemplo, fez um experimento aleatório (Randomized Controlled Trial – RCT) com 608 vilas da Indonésia. A grande pergunta motivadora da pesquisa foi: quais ações poderiam ser eficazes para reduzir a corrupção? Tendo isso em vista, Olken menciona que uma combinação de monitoramento e punições pode reduzir a corrupção e, dentro desse escopo, o aumento do envolvimento de membros da comunidade nesse acompanhamento pode ter um efeito muito positivo.

Ao invés de colocar funcionários para fiscalizar o trabalho de outros funcionários, o que pode resultar apenas em transferências de propina entre eles, e não na redução da corrupção, Olken defendia que a sociedade assuma esse papel de monitoramento já que ela se beneficia de programas públicos bem-sucedidos.

No início da pesquisa de Olken, todas as vilas pesquisadas estavam prestes a construir uma estrada que fazia parte de um projeto de infraestrutura nacional. O autor selecionou aleatoriamente algumas vilas as quais, depois de receber os fundos para a construção das estradas, foram avisadas de que o projeto seria auditado pela controladoria do governo central, e em todas essas vilas a auditoria de fato ocorreu. Os resultados das auditorias seriam lidos publicamente em reuniões com a comunidade, o que poderia resultar em sanções coletivas.

Além do aviso de fiscalização, foram realizados dois experimentos diferentes: no primeiro, vários convites para essas reuniões de auditoria foram distribuídos de modo a encorajar a participação direta de membros da comunidade no monitoramento e reduzir a predominância de elites nesses encontros; no segundo, um formulário anônimo para comentários foi distribuído junto com os convites, dando às pessoas a oportunidade de transmitir informações sobre a execução projeto sem correr risco de retaliação. Esses formulários eram então coletados antes das reuniões de auditoria e os resultados resumidos nos encontros.

De forma complementar, para medir a corrupção de uma forma objetiva, o autor contratou um grupo de engenheiros e pesquisadores que, depois da conclusão das obras, coletaram amostras de cada estrada para determinar a quantidade de material usado, entrevistaram fornecedores para estimar preços e conversaram com a população para estimar os salários pagos pelo projeto. A diferença entre esses valores e os gastos reportados pelos governos locais se tornou a estimativa-chave: quanto maior a diferença, maior a corrupção em potencial na forma de superfaturamento e desvios de recurso.

O cruzamento dos dados objetivos com as demais estratégias indicou que uma maior probabilidade de a vila passar por auditoria reduz substancialmente o montante de fundos desviados.

Ao contrário do que se esperava, a participação da comunidade no monitoramento foi muito pequena mesmo quando estimulada a fazê-lo; assim, o empoderamento da população não foi identificado como um fator determinante no combate à corrupção.

A conclusão é que instituições de controle fortes têm um efeito positivo sobre a diminuição da corrupção, mesmo quando a participação popular é restrita.

Bibliografia:

Olken, Benjamin. Monitoring Corruption: Evidence From a Field Experiment in Indonesia. The National Bureau of Economic Research.

Shleifer, Andrei e Vishny, Robert W. Corruption. The Quartely Journal of Economics, Vol. 108, No 3, Agosto, 1993.

O efeito das auditorias foi maior nas vilas onde os líderes estavam buscando a reeleição , ou seja, onde a reputação dos dirigentes estava em jogo.


[CC1]Não entendi bem.

Qual é o Jogo?

Em homenagem a John Nash, falecido recentemente, falaremos um pouco hoje sobre esse gênio da matemática e como nos valemos do trabalho dele também aqui na Plan!

John Nash revolucionou as teorias que explicavam interações sociais através da matemática. Ele agregou muito a um campo de estudos chamado Teoria de Jogos, criado por John von Neumann. A Teoria dos Jogos é fascinante pois nos ajuda, por exemplo, a compreender comportamentos e tomadas de decisões de pessoas ou empresas.

Lembram-se no filme “Uma Mente Brilhante”, daquela cena do bar onde John Nash e seus colegas estão interessados em uma moça loira bonita, que está acompanhada de suas amigas morenas? Pois então, naquele momento, Nash e seus amigos são os jogadores e as ações (a) cortejar a loira ou (b) cortejar uma amiga morena, são as estratégias de cada jogador. Quais então são os possíveis resultados desta situação?

(1) se todos simultaneamente cortejarem a loira, ela irá rejeitar a todos. Se, depois disso, alguém cortejar uma morena, ela também vai ignorar a proposta pois ninguém gosta de ser segunda opção e no fim, ninguém se dá bem;

(2) se cada jogador corteja uma morena, ignorando a loira, todos se dão bem no final e;

(3) se cada jogador corteja uma morena e apenas um corteja a loira, todos se são bem, mas aquele que fica com a loira fica mais feliz do que os outros.

Até então, acreditava-se no que Adam Smith previa: “em uma competição, as ambições individuais servem o bem comum”. No entanto, John Nash provou que o resultado será aquele em que os jogadores fazem o que é melhor para si e também para o grupo.

Sua teoria prevê então que, no exemplo do bar, o resultado será o cenário número 3, ressaltando que nesse jogo é permitida a cooperação entre os jogadores. Isto é então o que se configura como um Equilíbrio de Nash, que é uma situação onde todos os jogadores não têm nenhum incentivo de desviar. Ou seja, aquele que ficar com a loira, já estará feliz e, portanto, não mudará de estratégia. E, aquele que ficar com uma morena também não mudará de estratégia, pois seria rejeitado pela loira e, ao mesmo tempo, perderia suas chances com a morena (melhor uma garota do que nenhuma, não é mesmo?)

Perceba que o equilíbrio do jogo do bar é diferente do equilíbrio do famoso jogo “O Dilema dos Prisioneiros”, onde os jogadores não podem cooperar. Portanto, a situação de equilíbrio depende das regras do jogo.

A Teoria dos Jogos já foi muito usada em estudos aplicados, inclusive por nós aqui na Plan! Num trabalho de campo realizado no Mato Grosso, onde o objetivo era entender melhor o comportamento dos agricultores e pecuaristas da região, usamos uma metodologia já usada por Cardenas e Carpenter (2013).

Vamos jogar então? Um dos jogos que aplicamos no campo foi o seguinte:

Imagine que cada círculo a cima é um saquinho com 10 fichas dentro. Cada saquinho tem 5 fichas com os valores indicados acima. O saquinho $25/$47, por exemplo, tem 5 fichas de $25 e 5 fichas de $47. Se você pudesse escolher um saquinho para depois sortear uma ficha sem olhar e o valor da ficha sorteada fosse o seu prêmio, qual saquinho você escolheria?

Resposta: O objetivo desse jogo não é achar um equilíbrio mas identificar padrões de comportamento. Veja que o valor médio que você pode ganhar aumenta no sentido horário. Se você escolheu o saquinho $18/$62, por exemplo, o seu rendimento médio é de $40, mas se você escolheu $4/$91, o seu rendimento médio é $47,50. Por outro lado, a variância entre as alternativas também aumenta no sentido horário, indicando maior risco. No saquinho 0$/$95 você pode ganhar bastante dinheiro, mas também pode não ganhar nada enquanto que no saquinho $33/$33 você ganha $33, com certeza. Note então que não há resposta certa nesse jogo! O objetivo é apenas avaliar como as pessoas se comportam diante de situações de risco. Uma pessoa que escolhe o saquinho $33/$33 é mais avessa ao risco do que aquele que escolhe 0$/$95.

No caso do Mato Grosso, isso ajudava a explicar porque algumas pessoas permaneciam na atividade pecuária, que no longo prazo tem um rendimento mais baixo do que na lavoura, mas por outro lado, é uma atividade menos suscetível às condições climáticas, por exemplo.

Durante essa pesquisa, aplicamos também outros jogos para identificar como as pessoas se comportam diante de incertezas ou se elas são avessas à perda.

Os resultados ainda não foram publicados, mas certamente ajudarão a explicar muito as atividades agropecuárias na região.

Fontes:

CARDENAS, Juan Camilo e CARPENTER, Jeffrey. Risk atitudes and economic well-being in Latin America. Journal of Development Economics 103 (2013) pg. 52-61.

https://plus.maths.org/content/if-we-all-go-blonde, acessado em 07/07/2015

A Prostituição, o Banco de Dados e as Variáveis “Invisíveis”

Fonte imagem: http://simplesmenteassimj.blogspot.com.br/2014/01/go-to-india.html

Neste post resolvi falar sobre um tema um pouco fora de contexto. Esse assunto, no entanto, me vem de vez em quando à cabeça desde que li algumas reportagens que falavam sobre o aumento do número de pessoas contaminadas pelo HIV no Brasil. Decidi, portanto, descrever hoje um dos estudos mais interessantes com que já me deparei: “Sex workers and the cost of safe sex”, realizado na Índia.

Um motivo que torna este estudo especial é o fato de o banco de dados ter evidenciado algumas questões que tiveram de ser contornadas. Mas antes de falar sobre isso, vamos entender um pouco melhor as circunstâncias do estudo.

Sonegachi é um dos bairros de prostituição mais antigos e “bem-estabelecidos” de Calcutá. Essa região, segundo os autores, tem uma demanda estável de clientes porque fica próxima à Universidade de Calcutá. As ruas são estreitas o bastante para não permitirem a circulação de carros e possuem uma densidade grande de prédios entre 2 e 3 andares. Cada um desses prédios contém prostíbulos que oferecem uma gama muito variada de serviços e infra-estrutura. As garotas de programa quase sempre trabalham sob o comando de cafetões ou cafetinas e geralmente precisam pagar 50% da renda em troca de proteção ou aluguel. A prostituição em Sonegachi é um mercado muito competitivo. Em 1997, 4.000 garotas de programa trabalhavam em 370 prostíbulos atendendo 20.000 clientes por dia.

Com relação ao tema HIV, uma das razões pelas quais a contaminação pelo vírus é alta na região era porque que os homens tinham forte resistência ao uso da camisinha. A teoria econômica indica que, além de ser uma função da oferta e da demanda, o preço dos programas é determinado pelos atributos de cada garota. Como os homens geralmente preferiam não usar preservativos, era de se esperar que exigir sexo seguro tinha um impacto negativo sobre o preço do programa.

Assim, os autores buscavam com este experimento estimar essa perda na renda. Do ponto de vista de políticas públicas, essa estimativa é muito interessante pois o governo poderia, por exemplo, incentivar o uso de preservativos compensando de alguma forma as profissionais pelo decréscimo de seus ganhos. Note que, a situação aqui discutida, claramente não permitia monitoramento pois as negociações aconteciam, muitas vezes, entre quatro paredes.

Chegamos, então, a uma dificuldade desse estudo. Ao analisar o banco de dados, notou-se que algumas garotas com renda mais alta declaravam também que sempre obrigavam seus clientes a usarem camisinha. Significava isso, então, que a exigência, na realidade, não afetava a renda? Ou significa que as entrevistadas estavam mentindo? Provavelmente nem um nem outro! A explicação está nas variáveis não-observáveis. A beleza, por exemplo, é certamente algo que tem impacto sobre o preço do programa e, ao mesmo tempo, é uma variável imensurável, correto? Sim! Ora, como medimos a beleza? Mais ou menos bonita? A critério de quem? Esses atributos “invisíveis”, portanto, tiveram de ser levados em consideração na análise de preço.

Mas para lidar com tais dificuldades, existe a econometria. Neste experimento, os autores utilizaram variáveis instrumentais[1]. A solução achada foi usar um programa implementado pelo sistema de saúde no qual 12 garotas de programa foram recrutadas para educar e distribuir panfletos com informações sobre o uso de preservativos e os riscos do HIV[2]. Essa estratégia atendeu bem às exigências metodológicas, mas, para se certificarem de que as estimativas estavam próximas à realidade, uma outra estratégia de “enumeração” de cada garota também foi utilizada.[3] Usar dados em painel seria outra solução muito boa mas não foi utilizada pois os autores não tinham acesso a este tipo de informação.[4]

Resultados: o uso da camisinha diminuía a renda entre 66% e 79%! Agora, sabendo o grande impacto que a camisinha possui no preço do programa, as profissionais poderiam, por exemplo, fazer esforços conjuntos em forma de sindicatos para promover ações contra o sexo desprotegido. Os autores também sugerem que ações como essa poderiam ao mesmo tempo partir do governo que, no entanto, precisaria antes legalizar a profissão. Essas sanções, portanto, serviriam para compensar o impacto negativo da camisinha e diminuir a oferta de programas sem proteção.

Bibliografia:

GUPTA, Indrani, et al. Sex Workers and the Cost of Safe Sex: the compensating differential for condom use among Calcutta prostitutes. Journal of Development Economics. Vol. 71, p. 585-603. 2003.


[1] Variáveis instrumentais têm de obedecer a três regras básicas: (1) devem ter correlação com a variável endógena do modelo (neste caso, a variável que indica se a garota exige o uso ou não camisinha); (2) devem afetar a variável dependente (neste caso, o preço do programa) somente “através” da variável endógena; (3) e não podem pertencer ao modelo a ser estimado.

[2] A VI, neste experimento, era então uma variável indicando se a garota de programa recebeu o panfleto distribuído pelas educadoras.

[3] Neste processo, os pesquisadores listaram os bordéis de Sonegachi. A partir disso, uma amostra aleatória de cada prostíbulo foi selecionada e, em seguida, uma amostra aleatória de garotas de programa foi selecionada também. Cada garota dessa amostra recebeu um número de identificação que indicava a sequência em que cada uma foi localizada na rota dos pesquisadores.

[4] Estudos em que cada indivíduo é observado ao longo do tempo. A análise desse tipo de dado permite o controle das variáveis não-observáveis como beleza, charme etc.

Na luta contra a pobreza, são necessárias as condições?

O programa Bolsa Família já foi bastante elogiado e discutido nas esferas política e acadêmica como um programa público que comprovadamente contribui para a erradicação da pobreza.

Assim como o Progresa/Oportunidades, no México, o Bolsa Família entra na categoria dos programas de transferência condicionada de renda (ou Conditional Cash TransfersCCTs).  A ideia desses programas é a de que, tendo em vista as preferências das famílias de baixa renda (ou, para aqueles que gostam de economia, as curvas de indiferença), impor condições implica em incentivar certos comportamentos. Assim, uma família que dá pouco valor à educação, e que tenderia a pôr os filhos no mercado de trabalho em vez de mantê-los escola, pode inverter esse comportamento se incentivada economicamente –e, é claro, seja obrigada a manter os filhos na escola (a condição para receber o incentivo).

Aumentar a frequência escolar e diminuir o trabalho infantil são dois grandes objetivos de CCTs. O valor da transferência influenciará quais famílias irão aderir ao programa e quais crianças serão beneficiadas. Manter uma criança de 5 anos na escola, por exemplo, é mais barato do que um adolescente de 15, pois este último é capaz de ter uma renda maior no mercado de trabalho. Assim, o valor da transferência depende de decisões de política que determinam quem é o público-alvo do programa. E essa discussão vai longe.

Em contrapartida, o novo hot topic das discussões de economia e desenvolvimento são os Unconditional Cash Transfers (UCTs), ou seja, as transferências incondicionais. Um estudo realizado no Quênia entre 2011 e 2013 (SHAPIRO e HAUSHOFER, 2013), por exemplo, analisou os impactos das transferências feitas pela organização GiveDirectly¸ fundada por um grupo de economistas das Universidades de Harvard e MIT. Essas transferências, que não estavam atreladas a nenhuma condição, eram de pelo menos o dobro da média de consumo mensal dos domicílios e feitas por meio de um sistema de celular chamado M-Pesa.

Os autores usaram experimentos de atribuição aleatória e fizeram o sorteio dos beneficiários em dois níveis: o das vilas e o dos domicílios. Também sortearam o gênero do beneficiário (esposa vs. marido), a periodicidade (transferência em prestações vs. uma única transferência) e o valor do pagamento (US$ 404 vs. US$ 1.520). Alguns dos resultados foram: os domicílios beneficiados apresentavam níveis mais altos de consumo e poupança e, surpreendentemente, os gastos com álcool e cigarro não aumentaram; os níveis de cortisol (indicador de stress) baixaram mais entre os beneficiários; e aqueles que receberam uma única transferência investiram mais em bens duráveis do que aqueles que receberam os benefícios em prestações.

A escolha do programa de transferência de renda mais apropriado (com ou sem condicionalidades) depende das prioridades da política pública. Uma vantagem dos UCTs é que eles são menos custosos de se gerir e monitorar. Por outro lado, os CCTs tendem a ter um impacto mais duradouro por envolver melhoras cumulativas em educação e saúde.

Bibliografia

DAS, J., QUY-TOAN, D., ÖZLER, B. Reassessing Conditional Cash Transfer Programs. World Bank Research Observer. Vol. 20 (1), p. 57-80, 2005.

HAUSHOFER, J., SHAPIRO, J., Household Response to Income Changes: Evidence from an Unconditional Cash Transfer Program in Kenya. GiveDirectly Program, 2013.

São Pedro: Traga a Chuva!

Apesar do grande potencial hídrico do Sudeste do Brasil, este ano ficou marcado por uma crise no abastecimento de água que parece ainda estar só no começo. O fornecimento de água foi afetado devido à falta de planejamento mas também por episódios climáticos.

O que muitos não sabem é que, além de ser fonte de água, a chuva já serviu também como ferramenta de avaliação. Isto mesmo! A professora da Universidade de Brown, Christina Paxson (1992) usou índices de precipitação para investigar o comportamento econômico de famílias de baixa renda na Tailândia. Ela percebeu que a chuva poderia representar a variabilidade da renda dos domicílios. Isto porque as famílias investigadas viviam da plantação de arroz, que depende bastante de água. A idéia de Paxson foi testar a “Hipótese da Renda Permanente”, ou seja, a hipótese de que o padrão de consumo das pessoas em um determinado momento não é definido pela renda daquele mesmo momento mas sim pela renda que elas esperam ter durante toda a vida.

No caso das famílias produtoras de arroz, as chuvas representam choques positivos na renda, mas esperava-se que eles guardassem esse dinheiro adicional advindo da chuva segundo a Hipótese da Renda Permanente. Na pesquisa social é sempre um desafio distinguir as relações causais; mas neste caso, por a chuva ser uma variável externa ao modelo, o estudo fica muito claro e “limpo”. Os resultados de Paxson mostram que os indivíduos de fato poupam grande parte da renda transitória. Esta conclusão é importante pois indica que o bem-estar de famílias pobres provavelmente não é prejudicado pelas oscilações na renda.

Adotando uma lógica parecida, Yang e Maccini (2009) desenvolveram um estudo na Indonésia em que usaram a chuva como variável para investigar os efeitos de eventos extraordinários ocorridos durante a fase da primeira infância. A hipótese dos pesquisadores é que esses choques afetariam o desenvolvimento pessoal. Os resultados mostraram que as mulheres que nasceram em anos de muita chuva vieram a ter padrões socioeconômicos mais altos durante a vida adulta. Essas mulheres também autodeclararam estados de saúde melhores, eram 0,57 centímetro mais altas e frequentaram a escola durante mais tempo do que aquelas que nasceram em anos com níveis normais de precipitação, líquidos de outras causas.

Este padrão, no entanto, não foi encontrado entre os homens, ou seja, anos chuvosos no nascimento não estão associados a modificações nos níveis socioeconômicos dos homens estudados. Isto indica, portanto, um viés de gênero que precisa ser explicado. Além de ressaltar a importância de fatos da infância sobre a trajetória socioeconômica das pessoas, este estudo destaca os fatores externos improváveis que a afetam para que possamos isolá-los e mensurar seu impacto.

Fascinante, não?

Bibliografia
PAXSON, C. Using Weather Variability to Estimate the Response of Savings to Transitory Income in Thailand. American Economic Review. Vol. 82(1), p. 15-33, 1992.
YANG, D., Maccini, S. Under the Weather: Health, Schooling, and Economic Consequences of Early-Life Rainfall. American Economic Review. Vo. 99(3), p. 1006-1026, 2009.

O Bolsa Família Contribui para Reduzir a Desnutrição?

O Ministério do Desenvolvimento Social apresentou ontem, 16 de setembro, um estudo que indica melhora nos padrões nutricionais das crianças entre 0 e 5 anos contempladas pelo programa Bolsa Família.

A fase da primeira infância é um período crítico pois determina a trajetória de desenvolvimento das pessoas nas habilidades cognitivas, sociais, intelectuais e psicológicas. Case, Lubotsky e Paxon (2002), por exemplo, mostraram que crianças com más condições de saúde tendem a se tornar adultos com padrões socioeconômicos mais baixos.

Para medir a saúde nutricional das crianças, o estudo do MDS utilizou a estatura e o peso como indicadores. A pesquisa envolveu avaliações transversais e longitudinais feitas entre 2008 e 2012, e mostrou que houve uma redução no déficit de saúde das crianças contempladas ao comparar estes números com os padrões de referência da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Fonte: (Jaime et al. 2014)

Podemos, então, concluir que o Bolsa Família tenha sido o responsável por esta melhora na saúde das crianças? Acredito que não. Apesar de os números mostrarem que de fato os padrões nutricionais melhoraram, não há indicação no estudo de que a amostra analisada tenha incluído crianças não contempladas pelo programa, portanto, não é possível atribuir esse efeito exclusivamente ao Bolsa Família.

Na maioria dos casos, a maneira mais apropriada de se avaliar o impacto de um programa social é comparar as pessoas afetadas pelo programa com um grupo contrafactual, ou seja, um grupo que não participou do projeto. Esses grupos devem ser em média iguais em variáveis potencialmente causais como renda familiar e escolaridade, bem como em características não-observáveis. Para que esses fatores se diluam, deve haver uma seleção aleatória dos membros de cada grupo, possibilitando iguais condições para compará-los.

O motivo de realizar avaliações de impacto utilizando esse método é o de poder “isolar” o efeito do programa de outros fatores externos, como a chegada de uma empresa na comunidade, por exemplo, ou a presença de até mesmo outros programas sociais.

É bastante provável, no entanto, que o Bolsa Família tenha afetado positivamente a saúde dessas crianças. De fato, o estudo mostra que o déficit de estatura de um grupo acompanhado durante os 5 anos diminuiu ao longo do tempo, e é bastante plausível a hipótese de que a melhora nas condições nutricionais propiciada pela combinação de maior poder aquisitivo, assiduidade escolar e as condicionalidades de saúde seja uma das causas desse aumento da estatura média. Por outro lado, é difícil dimensionar o impacto do Bolsa Família pois o programa pode ter “pegado carona” com outras ações públicas ou privadas que tenham gerado benefícios semelhantes.

Há questões éticas envolvendo experimentos aleatórios, pois programas que provavelmente tragam benefícios à população não deveriam ficar restritos a um pequeno grupo. Por isso, outras técnicas de avaliação como, por exemplo, Diferenças em Diferenças, podem ser mais apropriadas.

Referências

JAIME, Patricia C.; et al. Desnutrição em Crianças de Até Cinco Anos Beneficiárias do Programa Bolsa Família: Análise Transversal e Painel Longitudinal de 2008 a 2012. Cadernos de Estudos: Desenvolvimento Social em Debate. n. 17. p. 49-62. 2014

Disponível em: http://www.mds.gov.br//saladeimprensa/noticias/2014/setembro/tempo-de-permanencia-das-criancas-no-bolsa-familia-contribui-para-reduzir-desnutricao

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Tempo de permanência das crianças no Bolsa Família contribui para reduzir desnutrição.

CASE, Anne; LUBOTSKY, Darren; PAXON, Christina. Economic Status and Health in Childhood: The Origins of the Gradient. The American Economic Review. v. 92. n. 5. p. 1308-1334. 2002.